Fernando José Ribeiro Kachan*
Está chegando agosto, o mês de realizar a declaração do ITR – Imposto Territorial Rural. E essa declaração deve ser criteriosa afim de evitar futuras dores de cabeça como tem ocorrido com muitos proprietários de imóveis rurais que estão recebendo notificações das Prefeituras Municipais pedindo esclarecimentos e justificativas a respeito do valor da terra nua informado nas declarações de ITR em exercícios anteriores, que se não aceitas, vão acarretar pesadas multas junto à Receita Federal.
Mas o que está acontecendo afinal? Vou explicar de maneira simplificada!
O ITR é um tributo federal que incide sobre os imóveis rurais que destina 50% da receita em favor dos municípios onde estes estão localizados. Se as prefeituras municipais firmarem convênio com a Secretaria da Receita Federal, 100% da arrecadação do ITR reverterão aos seus cofres. Mas isso tem uma contrapartida.
A contrapartida é que as Prefeituras Municipais passarão a funcionar como correspondentes da Receita Federal nas questões relativas ao ITR e sempre zelando pelo cumprimento das normas e legislações federais específicas.
A primeira obrigação da Prefeitura Municipal é informar à Receita Federal o VTN – Valor da Terra Nua no município de sobre o qual incidirão as alíquotas do ITR. Considera-se VTN o preço de mercado do imóvel, entendido como o valor do solo com sua superfície e a respectiva mata, floresta e pastagem nativa ou qualquer outra forma de vegetação natural, excluídos os valores de mercado relativos a construções, instalações e benfeitorias, culturas permanentes e temporárias, pastagens cultivadas e melhoradas e florestas plantadas. Define-se como Terra Nua o solo com sua superfície e a respectiva mata, floresta e pastagem nativa ou qualquer outra forma de vegetação natural.
Até o ano de 2018, normalmente através de decretos as Prefeituras fixavam o VTN. Para isso poderiam se valer de duas alternativas. A primeira seria através de laudo de avaliação elaborado por Engenheiro Agrônomo observando os parâmetros exigidos pela Secretaria da Receita Federal e pela Associação Brasileira de Normas Técnicas através da NBR -14.653 – 3, que normatiza os critérios para a avaliação de imóveis rurais. A outra alternativa seria a utilização de VTN segundo os órgãos públicos estaduais como é o caso do IEA – Instituto de Economia Agrícola, órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.
Normalmente as Prefeituras Municipais optavam por utilizar-se dos valores indicados pelas instituições de pesquisa dos governos estaduais que trazem valores genéricos em detrimento de valores indicados por Laudo Avaliatório elaborado segundo os parâmetros adequados e que retratariam com mais precisão o VTN do município. Tal situação muitas vezes provocou distorções nos valores das terras que para efeitos tributários tinham valores maiores que os de mercado. Vejamos o porquê.
Todos sabem que os solos ou as terras dos imóveis rurais tem grande variação de fertilidade, textura, declividade, profundidade entre outros. E é de se esperar que quanto melhor sejam as características da terra, mais valiosa ela seja. Além disso há também a questão da situação do imóvel. Espera-se da mesma forma, que propriedades rurais mais bem localizadas em relação aos mercados consumidores, próximas centros urbanos e com facilidade de acesso sejam mais valiosas que outras que não tenham uma situação tão boa.
No que diz respeito à qualidade do solo, a Secretaria da Receita Federal não desconhece a variação existente e estipulou seis classes de uso, ou trocando em miúdos, seis diferentes qualidades de terras nos imóveis rurais. Quanto melhor a qualidade maior o valor e por consequência maior o ITR a ser recolhido aos cofres públicos. Mas o que dizer da localização?
O IEA – Instituto de Economia Agrícola, divulga em seu site valores de terra nua para os diversos EDR – Escritório de Desenvolvimento Rural, estruturas regionais da CATI – Coordenadoria de Assistência Técnica Integral, órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado São Paulo. Por exemplo, sob a jurisdição do EDR de São José do Rio Preto estão vinte e quatro municípios e os valores atribuídos à terra nua para o EDR de São José do Rio Preto consideram todos eles, inclusive quanto ao VTN médio informado. É aí que começam as distorções uma vez que colocam no mesmo balaio valores de propriedades situadas por exemplo às margens das Rodovias BR – 153 ou SP – 310 próximas ao perímetro urbano de São José do Rio Preto e de propriedades mais distantes dos centros urbanos e que para o acesso muitas vezes se necessita trafegar por 30 km em estrada de chão.
Segundo esse critério, algumas Prefeituras, através de Decretos, fixaram o VTN em valores superiores aos vigentes no mercado imobiliário local. Ao realizarem a declaração do ITR, alguns proprietários rurais discordaram dos valores que as Prefeituras Municipais atribuíram à terra nua e informaram que as terras de seu imóvel possuíam menor valor de mercado. Como resultado disso, caíram na malha fina da Secretaria da Receita Federal que, através das Prefeituras Municipais conveniadas, solicitam dos contribuintes justificativas e esclarecimentos, que se não aceitos submeterão os proprietários rurais notificados ao pagamento de pesadas multas. Essas justificativas normalmente devem ser realizadas através de Laudo Técnico elaborado por engenheiro agrônomo que emitirá uma ART – Anotação de Responsabilidade Técnica. Esse laudo deve dizer a respeito do VTN do imóvel rural à época do exercício a que se refere a notificação e terá que comprovar que os valores informados na declaração do ITR eram condizentes com a realidade do mercado imobiliário da época considerando a qualidade da terra, a localização do imóvel e etc.
Para o exercício 2019, a Secretaria da Receita Federal mudou as regras e exigiu das Prefeituras Municipais que o VTN do município fosse informado através de Laudo de Avaliação elaborado por engenheiro agrônomo, segundo os parâmetros por ela estabelecidos na Instrução Normativa RFB nº. 1877 de 14 de março de 2019. Espera-se que com essa nova normativa as distorções havidas em anos anteriores sejam sanadas ou ao menos minimizadas.
Mas o problema ainda não está totalmente resolvido uma vez que alguns cuidados devem ser tomados ao realizar a declaração do ITR. Como foi dito anteriormente, o VTN varia de acordo com a qualidade da terra e a Receita Federal não desconsidera esse fato. Assim ela estabelece seis classes de aptidão agrícola que não devem ser confundidas com o uso da terra.
A aptidão agrícola é a classificação que busca refletir as potencialidades e restrições para o uso da terra e as possibilidades de redução das limitações de seu uso em razão de manejo e melhoramento técnico, de forma a garantir a melhor produtividade e a conservação dos recursos naturais. Já o uso da terra é a utilização efetiva da terra, que pode estar ou não de acordo com a aptidão agrícola, e que, no caso de estar em desacordo, compromete a produtividade potencial ou a conservação dos recursos naturais.
Vejam as aptidões agrícolas das terras segundo a IN RFB nº 1.877 /19 e que devem servir de parâmetro para declarar o ITR.
- Classe I – lavoura aptidão boa: terra apta à cultura temporária ou permanente, sem limitações significativas para a produção sustentável e com um nível mínimo de restrições, que não reduzem a produtividade ou os benefícios expressivamente e não aumentam os insumos acima de um nível aceitável;
- Classe II – lavoura aptidão regular: terra apta à cultura temporária ou permanente, que apresenta limitações moderadas para a produção sustentável, que reduzem a produtividade ou os benefícios e elevam a necessidade de insumos para garantir as vantagens globais a serem obtidas com o uso;
- Classe III – lavoura aptidão restrita: terra apta à cultura temporária ou permanente, que apresenta limitações fortes para a produção sustentável, que reduzem a produtividade ou os benefícios ou aumentam os insumos necessários, de tal maneira que os custos só seriam justificados marginalmente;
- Classe IV – pastagem plantada: terra inapta à exploração de lavouras temporárias ou permanentes por possuir limitações fortes à produção vegetal sustentável, mas que é apta a formas menos intensivas de uso, inclusive sob a forma de uso de pastagens plantadas;
- Classe V – silvicultura ou pastagem natural: terra inapta aos usos indicados nos incisos I a IV, mas que é apta a usos menos intensivos; ou
- Classe VI – preservação da fauna e da flora: terra inapta para os usos indicados nos incisos I a V, em decorrência de restrições ambientais, físicas, sociais ou jurídicas que impossibilitam o uso sustentável, e que, por isso, é indicada para a preservação da flora e da fauna ou para outros usos não agrários.
Uma propriedade rural dificilmente apresenta solos de uma única classe. Normalmente ela tem solos de duas, três ou até mais classes diferentes. E nessa classificação não importa qual o tipo de cultura está atualmente sobre ela. Podemos ter solos de Classe II com pastagens plantadas assim como podemos ter solos Classe III com lavouras de milho, cana ou seringueira. Não é o uso atual da terra que determina a que classe de uso ela pertence.
Vê-se então que para um justo valor do ITR é necessário primeiro que o VTN utilizado como parâmetro a todos os imóveis do município reflita a média dos preços de mercado vigentes e depois que cada parcela dos imóveis rurais seja adequadamente classificada. O ideal é que na dúvida, o produtor rural ou mesmo seu contador conte com o auxílio de um engenheiro agrônomo para realizar corretamente a classificação de suas terras segundo a capacidade de uso, preenchendo a declaração do ITR segundo critérios adequados evitando sobretaxar seu imóvel, ou mesmo subtaxar, prevenindo-se de futuras dores de cabeça.
*Fernando José Ribeiro Kachan é engenheiro agrônomo, perito judicial com mais de 100 nomeações em processos judiciais, pós graduado em Avaliação de Imóveis Rurais, membro titular nº. 2.009 do IBAPE/SP – Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia, com 20 anos de experiência em perícias e avaliações de imóveis rurais.