EUA estão oferecendo US$ 369 bilhões em incentivos para empresas que atuam na área; capacidade fiscal do Brasil, porém, limita programa semelhante
Tido como o país que pode ter o hidrogênio verde mais barato do mundo, o Brasil é, ao menos por ora, apenas um celeiro de projetos na área. O mesmo acontece com a indústria de combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês). Apesar de o país ser considerado um dos com grande potencial para explorar o produto, ainda não tem refinarias em construção.
Para tirarem os projetos do papel, empresas envolvidas na transição energética têm dito em Brasília que isso só poderá ser feito se houver concessão de subsídios.
Com os países ricos, principalmente os Estados Unidos, inundando suas economias com subsídios e financiamentos para projetos relacionados à energia limpa, de fato ficou mais difícil para uma empresa instalada no Brasil ser competitiva.
Apenas o governo americano está oferecendo US$ 369 bilhões (R$ 1,8 trilhão) em incentivos e financiamentos para o setor de energia limpa. Especialistas, porém, lembram que os objetivos americanos vão além de incentivar uma indústria nascente e que o Brasil não tem a mesma capacidade fiscal para fazer algo semelhante.
Por aqui, empresas ligadas ao hidrogênio verde – uma das principais apostas do mundo para reduzir as emissões de carbono – anunciaram, em agosto, a criação da Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde. Entre as demandas da entidade está o barateamento da energia elétrica para a produção do hidrogênio.
“O Brasil tem hoje um excesso de energia, mas, para fazer frente aos incentivos de outros países, é preciso diminuir o custo dessa energia para os projetos de hidrogênio verde avançarem. Com o barateamento da energia, com aportes da União, devemos também criar mecanismos de demanda para o hidrogênio verde que podem ajudar a catapultar a neoindustrialização verde no Brasil”, diz o presidente da entidade, Luis Viga.
O executivo também comanda no Brasil a Fortescue, uma mineradora australiana que está investindo em hidrogênio no mundo todo e que tem um projeto de R$ 20 bilhões para o porto de Pecém, no Ceará. A Fortescue já tem um terreno alugado no complexo portuário para erguer sua usina, mas, segundo Viga, é preciso a garantia de energia elétrica barata para a obra ser iniciada.
Nos EUA, o governo anunciou a concessão de um crédito fiscal de até US$ 3 por quilo de hidrogênio. Viga afirma que, como a energia brasileira é mais barata, as empresas que querem atuar aqui não precisam de um incentivo tão relevante como o americano, mas necessitam de uma redução nos impostos que recaem sobre energia. Ele defende que sejam incentivos temporários para viabilizar as primeiras empresas do setor, que assumirão os maiores riscos.
A história se repete no segmento de biocombustíveis avançados. A Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) pediu ao governo federal incentivos financeiros diretos e tributários para que o setor adote o SAF e, assim, zere as emissões líquidas de carbono até 2050. Segundo a entidade, os recursos seriam destinados à pesquisa, à produção e ao consumo do combustível sustentável. A Abear também solicitou que a carga tributária do SAF seja zerada na etapa inicial da transição entre o combustível fóssil e o sustentável.
Enquanto o governo americano estabeleceu um subsídio de US$ 1,25 por galão de SAF se o combustível reduzir a emissão de gases de efeito estufa em pelo menos 50%, o brasileiro encaminhou o Projeto de Lei do Combustível do Futuro ao Congresso. O texto não estabelece nenhum subsídio, mas abre espaço para a regulamentação de incentivos.
Presidente da Be8, empresa com sede no Rio Grande do Sul que desenvolve um projeto de SAF no Paraguai, Erasmo Battistella defende incentivos financeiros para a produção de biocombustível. “Para mim, a solução ideal é linhas de financiamento e metas de descarbonização. Por exemplo: o setor aéreo tem de descarbonizar X% até 2030 através do uso de biocombustível”, disse.
Também envolvido na transição energética, mas com uma indústria já estabelecida, o setor de mineração é outro a solicitar incentivos para acelerar a participação brasileira na economia verde. O diretor do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Alexandre Valadares Mello, afirma que isenções tributárias serão importantes para que projetos menores na área sejam concretizados.
Minerais como lítio, cobre e níquel são considerados essenciais para a redução das emissões, dados que são usados na fabricação de baterias de carros elétricos. A demanda por esses materiais deve ser mais alta do que a oferta em todo o mundo nos próximos anos, o que pressionará seus preços. O Brasil está entre os países que podem oferecer esses minerais, mas são poucas as minas já em operação.
“Inicialmente, seriam necessários incentivos fiscais para ganhos de volume. Quando se tem benefícios do governo para a instalação de novos projetos, você atrai mais investidores”, diz Mello.
Subsídios necessários
Para especialistas em energia, os subsídios podem, sim, ser necessários para viabilizar novas indústrias, como a do hidrogênio e a do SAF. Essa concessão de incentivos, porém, deve ser temporária e concedida até o setor ganhar escala e se tornar viável, com preços competitivos.
“É preciso trabalhar com objetivos bem definidos. Assim que você atinge as metas, reduz ou elimina os subsídios”, diz Felipe Gonçalves, superintendente de pesquisa da FGV Energia. “Também é importante medir os resultados dessas políticas para ver se o setor ganhou competitividade. São subsídios para o setor se tornar sustentável”, acrescenta.
Gonçalves reconhece que se criou uma aversão aos subsídios no país, como se eles sempre fossem danosos. Isso em grande parte porque esses incentivos não são retirados após a consolidação da nova indústria. “Isso faz com que o setor se acomode, não ganhe produtividade e fique dependente do subsídio. A indústria automobilística é um bom exemplo disso.”
Professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do grupo de estudos do setor elétrico, Nivalde de Castro também afirma que subsídios podem ser necessários para indústrias nascentes, mas destaca que o Brasil não tem condições fiscais de fazer um programa de incentivo semelhante ao americano. “É um país pobre”, afirma.
Castro pondera, no entanto, que a política dos EUA foi criada não só para ajudar no desenvolvimento do setor de energia limpa, mas também para reduzir a dependência da China. “O programa americano é geopolítico e de confronto com a China. O país quer levar empresas para dentro do seu território e usa a questão energética para isso. Qualquer coisa identificada como transição energética ganha um subsídio cavalar”, afirma.
Questionado sobre os pedidos de incentivos e a limitação fiscal do país, o Ministério da Fazenda afirmou, por nota, ser “natural que as empresas tenham expectativas em relação a subsídios e desoneração, em especial tendo em vista as políticas adotadas por outros países. No entanto, qualquer medida nesse sentido deverá respeitar o equilíbrio fiscal e as metas definidas nos projetos orçamentários. Portanto, qualquer medida teria que ser compensada com indicação de redução de despesa ou aumento de receita”.
O ministério informou também que outras medidas, como misturas obrigatórias, financiamentos e políticas comerciais estão em estudo.
Por Luciana Dyniewicz
Fonte: O Estado de S. Paulo