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Fazenda que fornece cana para o grupo Colombo é flagrada com mão de obra escrava em SP

Trabalhadores de empresa terceirizada contratada pela Colombo Agroindústria foram encontrados em situação de servidão por dívida, elemento que tipifica a escravidão contemporânea

Auditores fiscais do trabalho encontraram 32 trabalhadores em alojamentos insalubres e sem condições de habitabilidade

 

Os 32 trabalhadores resgatados em condições análogas à escravidão em um canavial da zona rural de Pirangi (SP), no fim de janeiro, prestavam serviço para a Colombo Agroindústria, que produz o açúcar refinado Caravelas.

Segundo as inspeções realizadas pelo grupo especial de fiscalização móvel, da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), os trabalhadores foram aliciados no estado de Minas Gerais, na região do triângulo mineiro, por representantes de uma empresa que presta serviço de capina e replante de mudas para uma fazenda que é fornecedora da gigante do ramo açucareiro.

Em 2022, a Colombo Agroindústria anunciou um lucro líquido de R$ 251,59 milhões.

A produtora do Caravelas, contratante da empresa terceirizada, está em negociação para assinar um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho e a Defensoria Pública da União. A terceirizada, por sua vez, já assinou o TAC, comprometendo-se a sanar as irregularidades trabalhistas encontradas nos locais fiscalizados e garantir o retorno dos trabalhadores aos seus locais de origem.

Os trabalhadores foram encontrados em situação de servidão por dívida e em condições degradantes de trabalho e de moradia, dois dos elementos que tipificam a escravidão contemporânea, com base no artigo 149 do Código Penal.

Alojamentos precários

No resgate, iniciado em 26 de janeiro, os auditores fiscais do trabalho encontraram violações em dois dos cinco alojamentos em que os trabalhadores estavam hospedados na cidade de Palmares Paulista (SP), a cerca de 18 km do canavial.

Os trabalhadores dormiam em colchões estendidos no chão. Não havia camas, banheiros funcionando e nem ventilação nos cômodos. Além disso, toda a fiação estava exposta, com risco de choque elétrico e incêndio.

Um dos trabalhadores chegou a ser alojado em um cômodo onde funcionava um açougue, cujo piso tinha um bueiro de esgoto aberto.

“Quando eles chegaram na cidade, verificaram que a situação não era bem aquilo que tinha sido prometido. Muitas casas não tinham sequer um colchão, nem fogão, nem geladeira. Além disso, havia a promessa do pagamento por produção, que não foi cumprida”, explica o auditor fiscal do trabalho André Wagner Dourado, que coordenou a operação.

Escravidão por dívida

Segundo os auditores fiscais, as vítimas arcaram com as passagens e todos os custos da viagem de Minas Gerais ao interior paulista, que foi feita em duas vans superlotadas. Os trabalhadores também pagaram adiantado o aluguel das casas precárias onde ficaram alojados.

Somente ao chegar no município paulista, os trabalhadores foram informados que iriam receber por diárias, e não por produção no canavial. Em virtude das chuvas na região, eles ainda permaneceram dez dias sem receber e realizar qualquer atividade, contraindo dívidas em um mercado na cidade.

“Eles tiveram esses dez dias na cidade gastando, tendo que gastar para comer e pagando o aluguel adiantado porque isso foi exigido deles. A empresa não pagou esses dez dias. Quando eles começaram a trabalhar, ainda tinham a expectativa de receber por produção e tentar cobrir aquele passivo. Só que aí eles perceberam que não daria. Porque eles passaram a receber uma diária muito pequena”, explica Dourado.

“Nós fizemos um cálculo muito rápido e percebemos que, da forma como eles estavam endividados, muito provavelmente não conseguiriam pagar as dívidas ainda que ao final do período do contrato”, completa.

De acordo com os auditores fiscais, após a operação, as verbas rescisórias foram pagas aos trabalhadores resgatados, que também receberão três parcelas de um salário mínimo cada. Todos os gastos que as vítimas tiveram também serão bancados pela terceirizada contratada pela Colombo Agroindústria.

Danos morais coletivos e individuais

Segundo o coordenador regional da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete), Marcus Vinícius Gonçalves, a Colombo Agroindústria violou o artigo 5º da Lei nº 6019, que foi incluído a partir da Lei da Terceirização, redigida em 2017.

“Quando a usina Colombo optou por terceirizar o corte e o plantio de cana-de-açúcar, ela, por disposição legal, responde de forma primária pelo cumprimento das normas de saúde e segurança do trabalho. Se esses trabalhadores estão em alojamento inadequado, a responsabilidade não é só da prestadora de serviço, mas da Colombo também”, afirma Gonçalves.

“Havia falhas na regulamentação dos trabalhadores, não havia instalações sanitárias, não havia camas, locais para refeições, uma série de irregularidades”, completa.

No TAC enviado à Colombo Agroindústria, a que o Brasil de Fato teve acesso, o MPT pede, entre outros termos, a capacitação das empresas prestadoras de serviço contratadas pela empresa; que a Colombo se comprometa com medidas de fiscalização a suas prestadoras de serviço, seja em relação ao alojamento, aos veículos de transporte e à oferta de água potável; e que, sendo identificada qualquer irregularidade na relação trabalhista, a Colombo deve notificar a empresa terceirizada em um prazo de até cinco dias.

O MPT pede também uma quantia referente a danos morais individuais e coletivos. Para cada trabalhador, o MPT determina uma quantia de R$ 40 mil por danos morais individuais. Em relação ao dano moral coletivo, o pedido do MPT é de R$ 4 milhões.

A próxima audiência com o MPT está prevista para acontecer em março. Caso a Colombo Agroindústria não aceite assinar os termos expostos no TAC, o MPT deve ajuizar uma ação civil pública contra a empresa, buscando a responsabilização pelas violações trabalhistas.

“Existe mais espaço para negociação nos valores dos danos coletivos e individuais, mas o cumprimento da legislação isso não tem negociação”, pontua o coordenador regional da Conaete.

Compromissos e regras

Em seu Código de Conduta e Ética, o grupo Colombo afirma que, na relação com parceiros de negócios e terceiros, é exigida a comprovação por parte dos fornecedores da não “exploração do trabalho adulto ou infantil, trabalho forçado ou análogo” e que seja respeitada “a legislação ambiental, fiscal, trabalhista e previdenciária”.

Maurício Krepsky Fagundes, auditor fiscal e chefe da Divisão de Fiscalização para a Erradicação do Trabalho Escravo, afirma que casos de condições degradantes de trabalho e de alojamentos precários poderiam facilmente ser organizadas dentro da NR 31, evitando a “total informalidade” na relação trabalhista.

“Algumas fazendas e algumas usinas acabam terceirizando esse trabalho, seja no plantio, seja na colheita, para empresas que não têm a menor idoneidade econômica. Somente terceirizar o serviço de safra para alguém que não tem esse conhecimento [das normas trabalhistas] não vai afastar a responsabilidade do produtor. Na verdade, ele vai estar sendo cúmplice dessa situação e poderá ser responsabilizado por esses trabalhadores caso eles estejam em condições análogas à escravidão”, aponta Krepsky.

O coordenador regional da Conaete, Marcus Vinícius Gonçalves, afirma que tem sido recorrente na região de Ribeirão Preto (SP) que grandes usinas açucareiras coloquem a responsabilidade por eventuais violações trabalhistas nas empresas prestadoras de serviço.

“Elas (as usinas) sabem que precisam de mão de obra, e que na região não tem essa mão de obra. Então, elas fingem que não sabem que esses trabalhadores vão ser buscados fora. A gente chama de ‘cegueira deliberada’”, explica e completa: “Os trabalhadores precisam ser registrados lá na origem, viajar em ônibus compatíveis e regularizados. Não se pode fazer promessas que não vão ser cumpridas”.

Em 2022, a atividade com maior número de trabalhadores resgatados da escravidão contemporânea foi justamente no cultivo da cana-de-açúcar, com 362 vítimas. O maior resgate em um mesmo local foi de 273 trabalhadores, em fazendas arrendadas pela WD Agroindustrial em Varjão de Minas (MG).

Colombo Agroindústria

A família Colombo está no ramo açucareiro há mais de 70 anos. Atualmente, é uma das maiores produtoras de açúcar e etanol do Brasil, gerando mais de 5,1 mil empregos diretos. O açúcar refinado Caravelas surge em 1994, um ano após o início da produção de açúcar cristal pela Colombo Agroindústria.

A reportagem do Brasil de Fato entrou em contato com a Colombo com um pedido de posicionamento sobre a situação. O pedido de reposta foi feito na segunda-feira, 27, com prazo até às 12h da terça-feira, 28. Até esta quinta-feira, 2, a companhia ainda não havia enviado uma resposta.

Na noite de quinta-feira, a Colombo publicou uma resposta ao conteúdo da matéria. Leia o comunicado na íntegra:


A Colombo Agroindustria esclarece que por decisão unilateral do site Brasil de Fato, não tivemos nosso posicionamento incluído na reportagem publicada em 02/03/2023 que tenta nos vincular ao resgate de trabalhadores no interior de São Paulo.

Segue nosso posicionamento oficial, enviado antes da publicação ao site:

“A Colombo Agroindústria S/A é uma empresa com mais de 80 anos de existência e sempre reconhecida e zelosa com o cumprimento das leis e sua atuação sempre foi marcada pelo respeito aos funcionários e prestadores de serviços, à comunidade, ao meio ambiente e à sociedade em geral.

Seus princípios fazem parte de sua política de responsabilidade social que são públicos e rigorosamente observados por toda a empresa.

Com relação às questões que nos foram enviadas esclarecemos que a empresa R Pereira Serviços de Plantio foi contratada de maneira regular e sob condições contratuais onde as obrigações trabalhistas, de segurança do trabalho, fiscais, ambientais dentre outras, devem ser rigorosamente observadas. Vale ressaltar que a R Pereira Serviços de Plantio, presta serviços em outras empresas da região.

A empresa não apoia e nem incentiva qualquer forma de contratação que não esteja em conformidade com a lei e nem se beneficia de situações onde haja qualquer tipo de tratamento incorreto com relação a seus colaboradores diretos ou indiretos.

No que se refere ao evento ocorrido em Pirangi tão logo teve conhecimento dos fatos a empresa adotou todas as medidas necessárias de apoio ao trabalho desenvolvido pelo Ministério Público do Trabalho bem como cobrou imediatas providências da empresa contratada que, dentre suas obrigações tem clara obrigação contratual de observância às leis trabalhistas e de segurança de trabalho, inclusive dever de observar as regras de proteção contra o trabalho ou contratação de trabalhadores em condições degradantes de trabalho ou moradia, instalando de imediato, sindicância por empresa independente como rege nosso modelo de compliance, para apurar todos os fatos encontrados.

A fiscalização das condições de trabalho, higiene e meio ambiente se faz de forma rigorosa e permanente em todos os processos, na forma como exigido pela mencionada Lei 6019 em sua redação introduzida pela Lei que rege a Terceirização no Brasil.

Quanto à situação fática, à época do evento, cabe destacar que os trabalhadores contratados pela R Pereira Coelho, após a ação do Ministério Público do Trabalho retornaram, de imediato, para suas localidades de moradia familiar.

Quanto ao questionamento relativo à assinatura do Termo de Ajuste de Conduta proposto pelo Ministério Público do Trabalho a empresa entende que as condições apresentadas ainda não refletem o entendimento da empresa, que é o de que não praticou qualquer conduta ilícita muito menos aquelas que estão sendo atribuídas à empresa R Pereira Coelho que é quem está efetivamente acusada de descumprimento das normas que regem as contratações por ela realizada.

A empresa reafirma que a contratação da mão de obra terceirizada foi, em todos os seus aspectos absolutamente regular e em total conformidade com a lei e sua execução corretamente fiscalizada no âmbito que lhe competia e, ainda, que ela continuará a cumprir todas as obrigações que lhe cabem em estrito cumprimento às suas diretrizes de responsabilidade social, ambientais e de respeito à integridade e dignidade de todos os seus colaboradores.

Obs.: A matéria deverá ser publicada com a utilização da mesma terminologia e conteúdo. Qualquer alteração do texto poderá ser objeto de questionamentos judiciais”.

Aproveitamos a oportunidade para renovar nossos votos da mais elevada estima e consideração, bem como nos colocamos à disposição para maiores informações que se fizerem necessárias.

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Por Pedro Stropasolas

Fonte: Brasil de Fato

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