Instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1995, a data foi criada para elevar a consciência mundial sobre o papel da mulher do campo. E a Secretaria de Agricultura e Abastecimento, por meio da Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável (CATI/CDRS), tem uma longa história de ações, projetos e programas para ampliar o protagonismo feminino no agro paulista
Em um ambiente tradicionalmente masculino, nos últimos anos as mulheres vêm deixando de ser expectadoras no processo de desenvolvimento sustentável do agro e têm se tornado protagonistas, não só de suas histórias, mas de muitas comunidades e entidades que promovem transformações econômicas, sociais e ambientais no meio rural.
E o ano de 2021 mostra que o agro é sim lugar de mulher. Seja no trabalho e na condução da produção, ou na gestão da propriedade, com adoção de tecnologias e abertura de novos mercados de comercialização, milhares de mulheres em todo o país têm mostrado a força do feminino em pequenas, médias e grandes propriedades, bem como em diversas associações e cooperativas. Com informações obtidas pelo Censo Agropecuário de 2017, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) identificou quase um milhão de mulheres responsáveis pela gestão de propriedades rurais no país, em um universo de 5,07 milhões.
“Ao analisarmos o cenário atual do agro, identificamos regramentos específicos, os quais exigem constante aprendizado, dedicação e atualização. Nesse contexto, é imperativo que as propriedades rurais tenham uma gestão profissional como condição para se manter sustentável como atividade econômica. Sendo assim, é possível dizer que, por suas habilidades transversais, as mulheres, quando não gerenciam, agregam habilidades e experiências na gestão dos negócios, buscando conhecimentos e novas formas de atuação, desde a produção até a comercialização”, avalia, acrescentando que uma pesquisa recente da CATI/CDRS mostrou que as decisões sobre a gestão das propriedades têm sido mais compartilhadas. “Com a pesquisa e a experiência dos técnicos de campo, ficou clara a importância de se aprimorarem metodologias de extensão rural para apoiar as mulheres a superarem os desafios e as dificuldades que enfrentam no seu dia a dia, estimulando a organização de grupos e associações, bem como suas iniciativas de desenvolvimento e gerenciamento das atividades rurais”, avalia Márcia Cristina Moraes, socióloga e assessora técnica do Gabinete da CATI/CDRS.
Complementando este pensamento, Carolina Darcie, socióloga e assessora técnica do Gabinete da CATI/CDRS, diz que, apesar de a representatividade feminina no campo ter aumentado, ainda há um longo caminho a ser percorrido para atingir uma equidade entre homens e mulheres. “Nos últimos anos, as mulheres têm conquistado mais espaço em diversas áreas do agro e entendemos que a extensão rural tem um papel fundamental nesse sentido. Como órgão responsável pela extensão rural paulista, a cada dia precisamos adequar e potencializar nossas ações, linguagem e metodologias empregadas, buscando melhorar nosso atendimento, para incluir toda a população rural, especialmente as mulheres, nas políticas públicas, garantindo, assim, maior efetividade em seus resultados”, salienta Carolina, enfatizando que o aumento do número de mulheres atuando na extensão rural, nos últimos anos, tem contribuído ainda mais para uma maior sensibilização sobre as questões de gênero.
Entre as políticas públicas da Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA), executadas atualmente pela CATI/CDRS, que possuem instrumentos de incentivo à participação de mulheres, está o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA Cesta Verde. Sobre este tema, Alexandra Luppi, engenheira agrônoma da CATI/CDRS Regional Mogi Mirim, ressalta que, para uma efetiva inclusão da mulher, temas como a emissão de documentos precisam ser abordados de forma clara.“Por exemplo, é importante que os extensionistas, ao atenderem os produtores na Casa da Agricultura, orientem que o nome da esposa e/ou companheira conste em documentos como contratos, Cadastro de Contribuintes de ICMS do Estado de São Paulo (Cadesp) etc., para aparecer como “e Outra” no talão de notas fiscais. Isso porque, em políticas públicas como o PAA, essa menção aumenta a pontuação para participação das mulheres nos certames, tanto de forma individual quanto como cônjuge, desde que devidamente documentada”, ressalta a agrônoma, lembrando que outras informações importantes são ligadas ao Imposto de Renda dos produtores, para assegurar direitos às mulheres. “É cada vez mais necessário que tenhamos um olhar amplo de inclusão desse público, entendendo que discutir questões ligadas às necessidades e aos direitos das mulheres, principalmente no meio rural, não é militância, muito pelo contrário, trazer a questão de gênero para o centro do debate é trazer mais qualidade para os serviços de extensão rural, promover direitos humanos e a inclusão social de mulheres agricultoras − historicamente excluídas por razões culturais da sociedade brasileira − como beneficiárias de políticas públicas”.
Em outra política pública da SAA, também executada pela CATI/CDRS, o Projeto Município Agro, cidades que têm ações e projetos voltados ao bem-estar da mulher na área rural obtêm maior pontuação para classificação na premiação. Para Mirele Vinhas Voltolini, engenheira agrônoma responsável pela Casa da Agricultura de Sud Menucci (município que ficou em primeiro lugar na classificação de certificação e premiação do Projeto Município Agro, no ciclo 2020), um intenso trabalho de extensão rural voltado a um grupo informal de produtoras rurais, com foco no desenvolvimento sustentável e na agroindustrialização artesanal, trouxe, além de renda, autonomia, emancipação, delegação de poder e auto estima elevada a elas. “A partir desse trabalho, as produtoras têm relatado que sentem orgulho de suas origens, começaram a se valorizar e reconhecer a grandeza de seu papel de produzir alimentos. Tenho uma grande satisfação em ver que aquelas mulheres, que mal conseguiam se expressar em nossas primeiras reuniões, hoje são líderes e empreendedoras rurais, com visão de gestão, progresso e desenvolvimento sustentável”.
Exemplos e frutos do trabalho de extensão rural
Desde a década de 1960, a CATI/CDRS realizou diversos projetos na área de economia doméstica, com ações voltadas à inclusão de toda a família rural. “Ao longo dos anos, avançamos na inserção das mulheres na gestão da propriedade e da produção. Podemos dizer que uma maior participação das mulheres, principalmente no segmento da agricultura familiar, por meio do trabalho realizado pela instituição, se deu com o desenvolvimento do Programa Microbacias I, no início dos anos 2000. Com a execução do Projeto Microbacias II – Acesso ao Mercado, a partir de 2010, o qual incentivava a participação das mulheres nas Iniciativas de Negócios, o protagonismo feminino aumentou nas regiões onde ele foi desenvolvido. Hoje, contabilizamos um grande número de mulheres atuando não apenas na gestão de propriedades, mas também ocupando cargos nas organizações rurais beneficiadas, inclusive de diretoria e/ou presidência de associações e/ou cooperativas”, explica João Brunelli Júnior, coordenador substituto da CATI/CDRS, que atuou na gerência dos Microbacias I e II.
Nesse período, paralelamente à execução do Programa de Microbacias I, a CATI/CDRS organizou encontros de mulheres (os quais têm reflexos até hoje), tendo a Regional de Pindamonhangaba como pioneira na ação. Tais encontros tinham como objetivo discutir o papel da mulher na zona rural, seus anseios e suas necessidades, difundindo conhecimento sobre diversas áreas do agro. “O resultado desses encontros, que tiveram uma edição estadual, a qual contou com agricultoras familiares e de comunidades tradicionais, foi o fortalecimento da autoestima, com as mulheres redescobrindo a sua força, diante das adversidades do campo.Como fruto desse trabalho, aliado às premissas do Programa de Microbacias I, temos inúmeros exemplos de mulheres que transformaram a sua vida e da família, bem como de suas comunidades”, avalia Cristiane Hungria, da Regional Pindamonhangaba, que atuou na organização desses encontros.
Helena Maria Assis Vilka, viúva e com uma família formada por mulheres (duas filhas e três netas), é um desses exemplos. Proprietária do sítio São Bento, agricultora de frutas e hortaliças, feirante e doceira de Jacareí – município ligado à área de atuação da CATI/CDRS Regional Pindamonhangaba -, tem, hoje, sua história marcada pelo engajamento em diversos órgãos ligados ao segmento rural e uma atuação marcante em sua comunidade, mas nem sempre foi assim. “Até completar 30 anos de casada, minha vida foi exatamente como meu pai disse que deveria ser: crescer, casar, ter filho e trabalhar na roça. Mulher não precisava estudar, ele dizia. Durante uma visita do técnico da Casa da Agricultura (CA), para falar sobre o Programa de Microbacias, na qual ele fez questão que eu estivesse presente junto com meu marido, entendi que podia fazer muito mais. Com apoio dos técnicos da CATI/CDRS, principalmente do Francisco Pelly, da CA, fiz cursos; aprimorei as receitas dos doces para agregar valor à produção e ter uma renda melhor, aproveitando as frutas que não eram comercializadas; obtive conhecimento, fui a lugares que nem sonhava, participei de todos os encontros de mulheres. A partir daí fui conquistando espaço na gestão do sítio e entendi que lugar de mulher é em todos os lugares”, conta Helena, que tinha 52 anos na época da visita que a despertou, e hoje, aos 69 anos, contabiliza uma trajetória de atuação marcante no agro, com participação em diversas entidades e organizações rurais, bem como nas áreas social e de saúde em sua cidade, na qual tem um grande carinho e respeito por parte de toda a comunidade do Bairro Mato Dentro, onde tem auxiliado outras mulheres rurais a vencerem os desafios e as dificuldades cotidianos.
Há 20 anos, Solange Aparecida Nobre Pinheiro e o marido Adão Aparecido Pinheiro acalentavam o sonho de viver da produção rural. Sem recursos para adquirirem uma área no município de Lins, onde moravam, viram em um projeto da Prefeitura a possibilidade de torná-lo realidade. “A gestão municipal cedia terrenos urbanos desocupados para a instalação de hortas comunitárias. Começamos, então, o nosso plantio e a comercialização de hortaliças, que perdurou por sete anos, consolidando a nossa vocação para trabalhar na terra”, conta a produtora, lembrando que, após esse período, a Prefeitura disponibilizou uma área para um assentamento das famílias interessadas em assumir a agropecuária como atividade principal. “Conquistamos o nosso lote e começamos a trabalhar apenas com a força do ‘braço e do enxadão’. Era um trabalho pesado, mas a recompensa era ver o fruto do nosso esforço se transformar em alimentos saudáveis e renda para iniciarmos a construção da nossa casa”.
Após alguns meses de trabalho, viram na organização rural a oportunidade de promover um crescimento da produção na área e ampliar as alternativas de renda para todos. “Junto com oito produtores de olerícolas e frutas, fundamos uma associação, sob a presidência do meu marido, entidade que aos poucos foi crescendo. Após dois anos de gestão, ele desistiu de ocupar o cargo e, por unanimidade, fui eleita presidente, pois, segundo os membros, eu já trabalhava muito pelo bem de todos”, comenta Solange, que, logo após assumir o cargo, sofreu um grande abalo com o falecimento do esposo. “Além do luto, tive que me deparar com uma situação assustadora: três filhos, uma chácara e a liderança de uma associação, da qual muitos dependiam. O primeiro pensamento foi: ‘E agora?’. Muitos disseram que eu não daria conta, mas com a certeza de que tinha que concretizar os trabalhos e sonhos, arregacei as mangas, confiei em Deus, contei com ajuda de um filho que deixou o trabalho na cidade e de vizinhos que auxiliavam no trabalho pesado”.
Hoje, após oito anos, Solange rememora as dificuldades passadas e celebra os sonhos realizados. “Com muita força de vontade de trabalhar e aprender tudo o que diz respeito à produção, à gestão e à comercialização (segundo ela, fez todos os cursos oferecidos pela Casa da Agricultura e pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas ‒ Sebrae) alcancei muitas conquistas. Tenho minha casa finalizada; meu carro quitado; aposentei o enxadão e adquiri equipamentos como roçadeiras e trator, entre outros; investi em tecnologia e irrigação. Continuo à frente da hoje intitulada Associação dos Produtores e Olericultores de Lins e Região (Apol), que conta com 150 associados, que foi totalmente fortalecida pelo apoio e acompanhamento dos técnicos da CATI/CDRS e os recursos do Projeto Microbacias II, os quais possibilitaram o aperfeiçoamento de nossas capacidades logística e estrutural, tanto de beneficiamento como de distribuição e comercialização. Investimos em uma gestão profissional, comercializamos em diversas frentes, de grandes redes de supermercados ao atendimento de políticas de compras públicas”.
Finalizando seu relato, Solange deixa uma mensagem a outras mulheres: “Não somos super-heroínas, mas com apoio − como temos da CATI/CDRS −, decisão, dedicação, parceria, desejo de aprender sempre (agora ela irá se matricular em um curso de computação) e união, somos capazes de romper as barreiras, vencer as dificuldades e gerir e/ou compartilhar a gestão do negócio rural”.
Como a história de Helena e Solange, outras centenas têm sido escritas em território paulista, com apoio da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, por meio da CATI/CDRS.
Por Cleusa Pinheiro
Fonte: Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo