Iniciativa coordenada pela FAO visa diminuir impactos da atividade sobre outras espécies marinhas
O Instituto de Pesca (IP-APTA), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, participou da parte paulista do projeto Manejo Sustentável da Fauna Acompanhante da Pesca de Arrasto na América Latina e Caribe (conhecido como Rebyc II – LAC), iniciativa da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). No Estado, as atividades de teste do uso de dispositivos que impedem ou reduzem a captura de tartarugas e outros animais marinhos durante a pesca de camarão se concentraram em Ubatuba.
“A pesca de arrasto do camarão possui uma importância extrema, principalmente quando levamos em consideração os fatores sociais e econômicos, pois é feita em sua maioria por pescadores artesanais”, avalia o pesquisador do IP Venâncio Guedes de Azevedo. “Há uma geração e distribuição de renda muito grande ao longo dessa cadeia produtiva”, assegura.
Apesar disso, expõe o especialista, os impactos ambientais desta modalidade pesqueira não podem ser desconsiderados. “Esta pescaria é realizada pelo arrasto de uma ou duas redes em formato de funil e que trabalham junto ao fundo do mar em busca do camarão, que é o objetivo da operação”, diz o especialista. No entanto, como a modalidade é pouco seletiva, o pesquisador aponta que leva à captura incidental de diversas espécies aquáticas que não são o alvo inicial da pescaria – a chamada fauna acompanhante. Dentre estas, parte é aproveitada pelos pescadores, por ter valor comercial (fauna estocada), e parte é descartada ao mar (fauna descartada, ou bycatch).
Pesquisa a favor da vida animal
Visando tornar a atividade mais sustentável sem perder de vista a complexidade da cadeia produtiva, a FAO lançou o programa Rebyc II – LAC, contando com financiamento do Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF). A iniciativa abrange seis países da América Latina e Caribe onde a pesca de arrasto é comum e tem relevância socioeconômica: Brasil, Colômbia, Costa Rica, México, Suriname e Trindade e Tobago. No caso brasileiro, compreende 15 estados e está sob coordenação da Secretaria de Aquicultura e Pesca federal (SAP/MAPA), contando com a participação de institutos de pesquisa, universidades, ONGs, comunidades de pescadores e outros agentes públicos e privados. De acordo com os organizadores, trata-se da maior iniciativa oficial voltada para pesca de camarão já realizada no país.
Conforme explica Azevedo, o Rebyc II – LAC busca atingir diversos objetivos com o propósito de promover a gestão sustentável e a redução de desperdícios na pesca de camarões. Dentre as metas brasileiras, está a realização de levantamentos sobre a captura incidental associada à pesca de camarão e a ampliação do uso de dispositivos desenvolvidos para mitigar a captura da fauna acompanhante durante a atividade. Em Ubatuba, essa ação foi realizada por um grupo formado pelo Instituto de Pesca, Fundação Projeto Tamar, ICMBio/CEPSUL, Prefeitura Municipal, além de pescadores, redeiros e armadores de pesca, para realizar o teste do uso de um desses recursos, o Dispositivo Excluidor de Tartarugas (TED). Acoplado às redes de pesca, o TED permite que as tartarugas marinhas e outros organismos sejam excluídos através de uma abertura posicionada na parte superior ou inferior da rede, enquanto os camarões continuam sendo capturados.
Poupando tartarugas, mas não só
Para coletar informações e testar o uso do dispositivo, a equipe realizou expedições junto aos pescadores de camarão. Ao todo foram realizados três cruzeiros de pesca, com 30 lances de pesca em cada um. A rede do experimento estava equipada com o TED e a rede controle, sem o dispositivo. Dois desses cruzeiros foram realizados em barcos que têm o camarão-rosa como espécie-alvo principal e o terceiro foi feito por uma embarcação cujo alvo é o camarão-sete-barbas.
Nos dois casos, foi possível identificar benefícios que vão além da preservação das tartarugas. “Como resultado dos experimentos, não houve nenhuma captura de tartaruga usando o TED e o rendimento de captura de camarão-rosa foi semelhante nas duas redes (com e sem TED)”, comemora Azevedo. Conforme conta, no caso do camarão-sete-barbas, apesar de uma pequena diminuição no volume pescado, houve também uma diminuição significativa na quantidade de fauna rejeitada. “No caso das espécies de elasmobrânquios (tubarões, raias e quimeras), o uso do TED levou a uma diminuição de até 50% nas capturas acidentais de algumas espécies”, diz o especialista. As pesquisas focaram em duas espécies, consideradas vulneráveis: raia-viola (Pseudobatos horkelli) e raia-viola-de-cara-curta (Zapteryx brevirostris). “Apesar de visar diretamente as tartarugas, o dispositivo acaba sendo benéfico também para as populações de outros grupos de animais”, reitera o pesquisador. Outro benefício identificado por alguns pescadores foi uma economia no uso de combustível das embarcações, devido ao fato de animais maiores ou mesmo lixo não ficarem retidos, o que gera peso extra.
De acordo com Azevedo, apesar de haver legislação específica exigindo o uso do TED no Brasil desde 1994, era necessário um trabalho de conscientização e treinamento dos pescadores, para que soubessem instalar corretamente o dispositivo nas redes, lacuna que o Rebyc buscou preencher. Na opinião do pesquisador do IP, o sucesso da empreitada só foi possível em virtude da adoção de um modelo participativo de trabalho. “Priorizamos a participação coletiva junto aos principais atores envolvidos – pescadores, redeiros, pesquisadores e órgãos públicos relacionados à pesca – para nos ajudar a moldar os experimentos”, ressalta Azevedo.
Resultados acessíveis
A FAO disponibilizou, em seu canal do Youtube, uma série de vídeos contando um pouco mais sobre o projeto e os resultados já alcançados. O material traz a participação de muitos dos envolvidos e imagens interessantes sobre o trabalho desenvolvido. De acordo com informes da Organização, entre as principais conquistas obtidas pelo projeto no Brasil estão a construção de uma proposta de plano nacional de gestão da pesca de camarão; a capacitação de técnicos, gestores de pesca e pesquisadores; a implantação de mecanismos de pesca inéditos; a caracterização da fauna acompanhante; e a valorização da extensão pesqueira e da educação ambiental.
Em virtude do êxito obtido com o teste realizado em Ubatuba, também foram elaborados filmes resultantes da pesquisa participativa sobre o uso do TED pela frota de arrasto de camarão. Estes foram idealizados por Azevedo em parceria com Bruno Giffoni, da Fundação Projeto Tamar, e apresentam de forma didática as informações gerais sobre a pescaria, o TED, os elementos que motivaram a construção dessa iniciativa e os resultados obtidos. Tudo isso mostrado por meio dos pontos de vista de seus diferentes participantes. Para ter acesso aos materiais, acesse os links: vídeo 1; vídeo 2, vídeo 3 e vídeo 4.
Os vídeos foram elaborados antes da pandemia de Covid-19 e prestam homenagem ao pesquisador Fabio Hazin, coordenador do projeto Rebyc II-LAC no Brasil, que faleceu em consequência de complicações desta doença.
Por Assessoria de Comunicação
Fonte: Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo