(Foto: Venâncio Guedes de Azevedo)
Animais estão no topo da cadeia alimentar, apresentando grande importância para o ambiente
Lançado no começo deste ano, o livro Encontros e desencontros com tubarões e raias: uma história (não) contada por pesquisadores brasileiros traz a participação de dois pesquisadores do Instituto de Pesca (IP-APTA), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, envolvidos há décadas com o tema.
“O livro é baseado em relatos de pesquisadores brasileiros que trabalham com elasmobrânquios”, diz o pesquisador do IP Venâncio Guedes de Azevedo, um dos coautores da publicação, se referindo à classe de peixes cujos representantes mais conhecidos são as raias e os tubarões.
Conforme narra, as atividades de pesquisa geram uma quantidade riquíssima de informação, que nem sempre é aproveitada nas publicações científicas e pode acabar se perdendo. “Sempre que estamos fazendo pesquisa com esses animais, seja no laboratório, seja em campo, em barcos, estamos abertos a coletar o máximo de informações possível”, coloca. “Uma parte dessa informação”, prossegue, “vai ser transformada em um artigo científico, seguindo determinadas metodologias. Só que a quantidade de conhecimento que se adquire é muito grande; você está presenciando e interagindo com o meio e com as pessoas, o que produz informações muito relevantes, mas que não são necessariamente retratadas cientificamente”.
De acordo com Azevedo, o livro vem justamente para registrar os esforços e valorizar a experiência adquirida por quem tem se dedicado a estudar estes animais. “Tanto é um relato da vivência que esses pesquisadores tiveram, quanto pode contribuir, com ideias, para o trabalho de outras pessoas”, assegura.
Assistindo ao filme
Um dos dois capítulos assinados por Azevedo tem o sugestivo título “A verdade está lá fora!”. Para o pesquisador do IP, a ideia do artigo surgiu da necessidade que vê de os estudiosos de elasmobrânquios adquirirem experiências práticas no ambiente natural onde vivem estes animais, para não ficar apenas nos laboratórios e salas de aulas. “É possível fazer graduação, mestrado e doutorado só com materiais biológicos de laboratório (animais mortos conservados), sem nem ter acesso real ao animal vivo ou ir ao ambiente onde vivem”, pontua.
Na opinião do especialista, isso pode ser insuficiente, por exemplo, quando no estudo da pesca destes animais se vê a importância de compreender a logística da atividade, os equipamentos utilizados, as características da frota pesqueira, além dos elementos sociais, ecossistêmicos, culturais e econômicos. “É como se você estivesse querendo explicar um filme inteiro através do pôster”, compara. Em sua opinião, o acesso à bibliografia especializada é muito importante, mas é um diferencial ter a vivência.
Azevedo tem propriedade para falar sobre o tema. Durante sua pesquisa de mestrado, estudando o tubarão-azul (Prionace glauca), o especialista embarcou em diversos barcos atuneiros, que ficavam semanas em alto mar. “Eu queria entender como é essa pescaria, qual era a população e de que forma estava sendo capturada, até seu destino final – quem come? em que se utiliza esse animal?; ou seja, do mar até a mesa do consumidor”, diz o pesquisador. Nos navios, pôde ver como os peixes eram pescados, com quais equipamentos e como era o tratamento do produto a bordo até voltar à terra e ser comercializado. “Para fechar essa cadeia cheguei inclusive a entrar em contato com pessoas da Ceagesp para entender quem vende e quem compra carne de tubarão, além da movimentação mensal ao longo dos anos”.
Retratando a história
Quem também viajou muito em alto mar atrás de tubarões e raias foi Alberto Amorim, outro pesquisador do IP. “Eu viajava nos barcos atuneiros, acompanhando os pescadores para fazer pesquisa, passando até 20 dias no mar. Fiquei fascinado!”, conta Amorim, que participou de 8 expedições do tipo e ajudou nos preparativos de dezenas de outras desde a década de 70.
Um dos mais experientes especialistas em elasmobrânquios em São Paulo e no Brasil, o pesquisador foi um dos responsáveis pela formação da Sociedade Brasileira de Estudos de Elasmobrânquios (SBEEL), entidade que passou a estruturar o campo do conhecimento no país.
Amorim relata essa história no capítulo que escreve logo no começo do livro, tratando de manter viva a memória do caminho percorrido. “Era uma tendência a formação desses grupos de pesquisa: havia o grupo da sardinha, que tinha bastante importância no Sudeste, o grupo de camarões, de atuns. Mas, tubarões, à época, não se dava muita importância”, relembra.
Foi a partir de uma parceria com um dos pioneiros do estudo de elasmobrânquios no Brasil, o polonês Victor Sadowsky, professor da USP, que Amorim passou a se aprofundar no tema. O pesquisador começou, junto ao colega Carlos Arfelli, a dar cursos para interessados no IP, em Santos, que viriam a atrair um número de pessoas maior do que ele próprio esperava. “Nós mandamos convites para muitas Universidades Brasil afora, sem muita expectativa, e compareceram, para nossa surpresa, grandes nomes da área na época envolvidos em pesquisas com tubarões”, detalha.
A partir desse contato inicial, conta, teve início uma rede de pesquisa muito produtiva, reunindo especialistas de vários estados. “Montamos um Grupo de Trabalho em tubarões e raias cuja primeira reunião ocorreu no IP, em 1985. O Instituto ficou a cargo de administrá-lo e o fez durante dez anos”, lembra. Do grupo, criou-se a atual SBEEL, da qual Amorim é sócio-fundador e foi secretário (por quatro anos) e presidente (por dois anos).
Importância dos tubarões e conservação
Muitas vezes vistos no imaginário popular como animais ferozes ou mesmo “assassinos”, os tubarões vêm sendo, há algumas décadas, mais vítimas do que vilões do ser humano. “O Brasil sempre consumiu e continua consumindo carne de tubarão, vendido usualmente como cação, mas com o passar de algumas décadas, passou a existir uma pressão considerável em cima desse recurso”, preocupa-se Azevedo. “A partir da década de 80”, continua, “tivemos uma redução considerável nas populações, principalmente das espécies que vivem mais próximo à costa”.
Amorim compartilha dessa percepção. Ele ressalta que tubarões estão no topo da cadeia alimentar e têm características próprias que os tornam particularmente vulneráveis aos impactos da pesca: longevidade, pequena prole, crescimento lento e maturação sexual tardia. “Os tubarões não podem ser pescados indiscriminadamente”, defende o pesquisador do IP, para que não haja um desequilíbrio marinho. “Em alguns países são desenvolvidas tecnologias para evitar as capturas acidentais, como linhas de pesca presas ao anzol, sem cabo de aço, de onde os tubarões escapam, mordendo as linhas”, exemplifica Amorim, citando que hoje existem importantes organizações ambientalistas que pressionam para que os tubarões pescados sejam devolvidos ao mar.
De acordo com Azevedo, algumas espécies de elasmobrânquios têm a pesca efetivamente proibida, como é o caso da raia-viola (gênero Pseudobatos), por exemplo. Desta forma, o caminho para a preservação das espécies passa por ações de educação ambiental com os diferentes atores envolvidos, orientando a não-captura de algumas espécies e a evitar a pesca em áreas de reprodução. “Em função de sua fragilidade biológica, é fácil que as populações dessas espécies sejam drasticamente diminuídas”, conclui.
Encontros e desencontros com tubarões e raias está disponível on-line e pode ser acessado gratuitamente através deste link. A obra conta ainda com artigos de dezenas de outros especialistas na área e tem como editor e organizador Hugo Bornatowski.
Por Paloma Minke
Fonte: Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo