Em um ambiente tradicionalmente masculino, nos últimos anos as mulheres vêm deixando de ser expectadoras no processo de desenvolvimento sustentável do agronegócio
Do longínquo tempo em que as mulheres não podiam sequer participar da conversa que girava em torno da propriedade rural, o ano de 2021 mostra que o agro é sim lugar de mulher. Seja no trabalho e na condução da produção, ou na gestão da propriedade, com adoção de tecnologia e abertura de novos mercados de comercialização, milhares de mulheres em todo o país têm mostrado a força do feminino em pequenas, médias e grandes propriedades, e em diversas associações e cooperativas. Com informações obtidas pelo Censo Agropecuário de 2017, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) identificou quase um milhão de mulheres responsáveis pela gestão de propriedades rurais no país, de um universo de 5,07 milhões.
Para Márcia Moraes, socióloga da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, que atua na Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRS), a participação da mulher tem crescido em todos os setores e, portanto, no meio rural, não é diferente. “Temos observado que as decisões sobre a gestão das propriedades têm sido compartilhadas entre os familiares e o número de mulheres à frente delas e de organizações rurais tem aumentado. Ao analisarmos o cenário atual do agro, identificamos regramentos específicos, os quais exigem constante aprendizado, dedicação e atualização. Nesse contexto, é imperativo que as propriedades rurais tenham uma gestão profissional como condição para se manter sustentável como atividade econômica. Sendo assim, é possível dizer que, por suas habilidades transversais, as mulheres, quando não gerenciam, agregam habilidades e experiências na gestão dos negócios, buscando conhecimentos e novas formas de atuação, desde a produção até a comercialização”.
A seguir, exemplos de mulheres que em um momento complexo da história, marcado por uma pandemia, no qual os cuidados com a vida e a segurança alimentar se fazem mais necessários que nunca, têm acentuado em seu trabalho características tidas como intrínsecas ao ser feminino, as quais têm se mostrado essenciais para gerir negócios agropecuários, com adoção de tecnologia e gestão eficaz de pessoas, contribuindo favoravelmente para o futuro do agro paulista e brasileiro.
Do plantio de hortaliças em área cedida à presidência de associação com 150 membros
Há 20 anos, Solange Aparecida Nobre Pinheiro e o marido Adão Aparecido Pinheiro acalentavam o sonho de viver da produção rural. Sem recursos para adquirir uma área no município de Lins, onde moravam, viram em um projeto da Prefeitura a possibilidade de torná-lo realidade. “A gestão municipal cedia terrenos urbanos desocupados para a instalação de hortas comunitárias. Começamos, então, o nosso plantio e a comercialização de hortaliças, que perdurou por sete anos, consolidando a nossa vocação para trabalhar na terra”, conta a produtora, lembrando que, após esse período, a Prefeitura disponibilizou uma área para um assentamento das famílias interessadas em assumir a agropecuária como atividade principal. “Conquistamos o nosso lote e começamos a trabalhar apenas com a força do ‘braço e do enxadão’. Era um trabalho pesado, mas a recompensa era ver o fruto do nosso esforço se transformar em alimentos saudáveis e renda para iniciarmos a construção da nossa casa”.
Após alguns meses de trabalho, viram na organização rural a oportunidade de promover um crescimento da produção na área e ampliar as alternativas de renda para todos. “Juntos com oito produtores de olerícolas e frutas fundamos uma associação, sob a presidência do meu marido, entidade que aos poucos foi crescendo. Após dois anos de gestão, ele desistiu de ocupar o cargo e, por unanimidade, fui eleita presidente, pois segundo os membros eu já trabalhava muito pelo bem de todos”, comenta Solange, que, logo após assumir o cargo, sofreu um grande abalo com o falecimento do esposo. “Além do luto, tive que me deparar com uma situação assustadora: três filhos, uma chácara e a liderança de uma associação da qual muitos dependiam. O primeiro pensamento foi: ‘E agora?’ Muitos disseram que eu não daria conta, mas com a certeza de que tinha que concretizar os trabalhos e sonhos, arregacei as mangas, confiei em Deus, contei com ajuda de um filho que deixou o trabalho na cidade e de vizinhos que auxiliavam no trabalho pesado”.
Hoje, após oito anos, Solange rememora as dificuldades passadas e celebra os sonhos realizados. “Com muita força de vontade de trabalhar e aprender tudo o que diz respeito à produção, à gestão e à comercialização (segundo ela, fez todos os cursos oferecidos pela Casa da Agricultura e pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas ‒ Sebrae) alcancei muitas conquistas. Tenho minha casa finalizada; meu carro quitado; aposentei o enxadão e adquiri equipamentos como roçadeiras e trator, entre outros; investi em tecnologia e irrigação. Continuo à frente da hoje intitulada Associação dos Produtores e Olericultores de Lins e Região (Apol), que conta com 150 associados. Fomos beneficiados com recursos do Projeto Microbacias II- executado pela extensão rural da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, cujos técnicos têm nos apoiado grandemente – os quais possibilitaram o aperfeiçoamento de nossas capacidades logística e estrutural, de beneficiamento, distribuição e comercialização. Investimos em uma gestão profissional, comercializamos em diversas frentes, de grandes redes de supermercados ao atendimento de políticas de compras públicas”.
Finalizando seu relato, Solange deixa uma mensagem a outras mulheres: “Não somos super-heroínas, mas com decisão, dedicação, parceria, desejo de aprender sempre (agora ela irá se matricular em um curso de computação) e união, somos capazes de romper as barreiras, vencer as dificuldades e gerir e/ou compartilhar a gestão do negócio rural”.
AgroMeninas: do sonho de criança ao sucesso no negócio rural
Desde pequenas, as gêmeas Aniele e Ariane, 24, e a irmã Aline, 26, acompanharam os pais e avós “na roça”, em Guapiaçu, município de 22 mil habitantes (localizado na região de São José do Rio Preto), cuja base da economia é a agropecuária e 70% das propriedades são pequenas. Em meio às brincadeiras de criança, ajudavam a retirar o leite, a plantar ou colher, e era do que elas mais gostavam. E assim as meninas, que são a quarta geração da família Caldeira de Paula, cresceram e, junto com elas, o amor pela terra e a atividade rural.
Hoje, as meninas continuam sendo conhecidas por esse codinome, tanto que a propriedade adquirida por eles (pais e filhas) recebeu o nome de AgroMeninas. “Sempre soubemos que a nossa vida estava ligada ao sítio e sermos produtoras rurais era a nossa paixão. Quando terminamos o ensino médio, nosso desejo era assumir a propriedade junto com nossa família, mas o pai nos disse: – ‘Vocês irão estudar. Vão para a faculdade, pois este é um trabalho muito pesado e não quero que vocês passem pelo que eu passei’”, conta Aniele, dizendo que elas se recusaram, mas depois Aline acabou aceitando ir estudar na cidade (São José do Rio Preto), desde que fosse e voltasse no mesmo dia. “Escolhi o curso de Engenharia Civil e me empenhei em obter o diploma. Quando chegou a hora de as minhas irmãs irem para a universidade, seguiram meu exemplo e optaram pelo mesmo curso”, diz Aline, que, entre sorrisos, lembra que a faculdade foi uma boa “escola”, mas a lida no sítio é melhor.
Após a conclusão do curso, as três decidiram que o conhecimento obtido seria aliado à prática diária e ao saber empírico. Aos poucos, identificaram os problemas da propriedade, que vinha passando um momento difícil, após um investimento em gado de corte. Decidiram investir na olericultura e na avicultura de corte. “Vimos que, além de ter vocação para essas atividades, o momento era bom para comercialização. Apostamos em tecnologia e fizemos parcerias para alavancar o negócio. Na parte de hortaliças, diversificamos a produção para além do plantio a céu aberto. Com apoio de um parceiro, investimos na construção de uma estufa e adotamos o sistema de hidroponia. O que parecia uma loucura naquele momento, se mostrou a decisão mais acertada”, comenta Ariane.
Atualmente, a AgroMeninas ocupa uma área de cerca de 5ha, conta com duas estufas onde são cultivadas diversas folhosas em sistema hidropônico, além de uma área de couve plantada na terra. Nos dois barracões da granja, 40 mil frangos são criados a cada ciclo, no sistema de integração, por meio do qual a empresa parceira fornece pintinhos, ração, medicação e assistência técnica. “Em toda a nossa produção, seja de olerícolas ou de frangos, fazemos a gestão de todo o processo e a comercialização amarrada com a produção, para minimizar as perdas. Há dois anos, com o apoio dos técnicos da Casa da Agricultura de Guapiaçu e da CDRS Regional de São José do Rio Preto, que nos ajudam em todas as áreas, nos tornamos cooperadas na Cooperativa dos Produtores Rurais de Rio Preto, entidade pela qual comercializamos a maior parte de nossa produção, fato que impulsionou o nosso negócio”.
Apesar do trabalho árduo no campo, que às vezes pode começar às duas da manhã e terminar depois das 20h, as meninas não querem outra vida. “Já nos perguntaram se trabalhar na cidade não era melhor e a nossa resposta é sempre a mesma: ‘Não!’. Aqui temos qualidade de vida, renda para viver com dignidade ao lado da nossa família. Quando o serviço (que inclui desde o plantio até a colheita – com utilização de todos os equipamentos e maquinários –, o manejo dos frangos, bem como a gestão da propriedade, agregando as questões administrativas) termina, não há prazer melhor que pescar com nossos pais, contemplar a natureza e desfrutar das delícias que só existem na roça”, dizem Aline, Ariane e Aniele, que mesmo em meio ao trabalho braçal, não deixam o ser feminino de lado, fazendo questão de cuidar da aparência e não esquecendo de um bom batom vermelho.
E, lembrando que são jovens, em pleno 2021, não deixam de lado também a internet e as redes sociais: o Instagram da AgroMeninas (@agromeninas_3) tem rendido visibilidade, com muitas entrevistas em programas de televisão e convites para se tornarem influencers. “Mas a gente quer mesmo é continuar na nossa simplicidade, com nosso troféu que é poder viver e trabalhar naquilo que amamos”. E os pais, que não queriam as meninas na lida diária, o que acham do desenrolar dessa história? “Elas são nosso orgulho e base de sustento, nos ajudaram a mudar a realidade da propriedade, e sem elas, hoje, o sítio não iria mais para frente; portanto, fizeram e fazem toda a diferença aqui!”, comemoram seu Flázio e dona Silvia.
Por Paloma Minke
Fonte: Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo