Os amantes de café sabem que a bebida pode ter inúmeros sabores e aromas peculiares. De olho neste nicho do mercado de café, cafeicultores brasileiros vêm investindo na produção de cafés especiais em busca de maior retorno financeiro. Sabendo que o varietal é um dos principais fatores determinantes da qualidade do café, o Instituto Agronômico (IAC), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, conduz pesquisas com o objetivo de desenvolver cultivares de café com nuances de sabores e aromas, como floral, frutado, achocolatado, cítrico e especiarias, dentre outros, e elevada qualidade de bebida para atender ao exigente mercado de cafés especiais.
“A nossa proposta é disponibilizar uma carta de cafés especiais diferenciados, ou seja, opções variadas de cultivares de alta qualidade de bebida. Há também a possibilidade de reorientar as pesquisas científicas que possam resultar em recomendação de varietais específicos para atender às demandas apresentadas nas diferentes regiões geográficas onde se pretende cultivá-los”, diz o pesquisador do IAC, Gerson Silva Giomo. Esse direcionamento é necessário porque a qualidade do café é muito sensível às variações de ambiente, o que requer um estudo detalhado dos efeitos da interação genótipo x ambiente, segundo Giomo. As características dos grãos e da bebida se devem principalmente ao fator genético/varietal, mas podem variar em função de outros fatores secundários, como o local de produção, o processamento pós-colheita e a forma de secagem.
O preço do café varia de acordo com a qualidade dos grãos, qualidade da bebida e oferta de produto no mercado, com algumas oscilações entre as regiões produtoras. Em média, a saca do café comum, tipo 6, bebida dura, gira em torno de R$ 600,00 a saca. Já um café especial, bebida mole, pode passar de R$ 1.000,00 a saca, dependendo da nota avaliação sensorial e da oferta e procura do produto no mercado. De modo geral pode-se dizer que quanto maior for a qualidade sensorial do café maior será o seu valor no mercado. Atualmente o mercado de cafés especiais no Brasil corresponde a cerca de 15% da produção nacional.
Café velho e café envelhecido: qual a diferença?
Recentemente foi apresentado aos consumidores brasileiros um produto diferenciado elaborado com grãos envelhecidos de café. O pesquisador do IAC esclarece as principais diferenças entre o café velho e o envelhecido.
“De modo geral considera-se que café velho aquele proveniente de qualquer grão que não seja de safra atual, ou seja, elaborado a partir de grãos que envelheceram naturalmente durante um determinado período de armazenamento. Assim, um café em grão cru armazenado de forma convencional em sacaria de juta e em ambiente não climatizado já é considerado velho a partir de 12 meses após a colheita, quando são também chamados de cafés de safra remanescente”, explica.
Já o café envelhecido é aquele obtido a partir de grãos de safra atual, ou seja, grãos novos submetidos a algum processo de envelhecimento artificial, em condições controladas, e por determinado período de tempo. Neste processo de envelhecimento controlado ocorrem alterações físico-químicas nos grãos crus que posteriormente irão proporcionar um perfil sensorial diferenciado ao café, sem que a bebida apresente apenas aromas e sabores característicos de um café velho.
Segundo Giomo, o envelhecimento natural dos grãos de café é um processo irreversível e que afeta negativamente a qualidade da bebida. Contudo, a velocidade de envelhecimento pode ser diminuída por meio do uso de embalagens impermeáveis associadas à redução da umidade relativa do ar, que deve estar abaixo de 65%, e da temperatura do ambiente de armazenamento, abaixo de 20ºC. Para que a qualidade seja mantida por mais tempo os grãos de café devem ter boa qualidade no início do armazenamento e conter teor de água em torno de 12%.
Os grãos de café perdem suas propriedades físico-químicas com o tempo de armazenamento, independente da existência de um processo artificial de envelhecimento. Os grãos de café sofrem uma desorganização de membranas celulares, onde há extravasamento de solutos e diversos compostos químicos são consumidos e ou degradados, ficando mais evidente a presença dos compostos insolúveis em água. “São esses compostos insolúveis, juntamente com lipídeos oxidados e extravasados pelo rompimento de membranas celulares, que originam os sabores e aromas característicos de café velho nos grãos torrados”, explica.
De acordo com o pesquisador, a produção de cafés envelhecidos ocorre em algumas regiões da Indonésia, resultando em um café com perfil sensorial bastante diferenciado dos cafés de outros países produtores. Vale ressaltar que os cafés indonésios são completamente diferentes dos cafés brasileiros, por diversos fatores como as variedades utilizadas, o método de processamento pós-colheita e o tipo de secagem, além da disparidade geográfica do clima, altitude e solos. “A maior parte da produção do café da Indonésia é realizada de forma artesanal e por pequenos produtores, com colheita 100% manual”, diz. Uma das maiores diferenças está no tipo de processamento pós-colheita, onde o fruto maduro é descascado, despolpado e submetido à secagem ao sol até os grãos atingirem em torno de 20% de água, quando então se remove o pergaminho e dá-se sequência à secagem dos grãos sem pergaminho, até atingirem teor de água de 12%. Esse tipo de processamento produz grãos com uma coloração azulada e bebidas com baixa acidez, elevado corpo e perfil sensorial bastante complexo e exótico que lembram cacau, tabaco, terra, fumaça, couro e cedro.
Em uma região específica da Indonésia, no Malabar/Java, é produzido um tipo diferente de café, denominado “café das monções”. Nesse caso, após a secagem, beneficiamento e classificação dos grãos por tamanho, o café é exposto a ambientes com alta umidade relativa do ar, causada por ventos e chuvas de monções, por período de três a quatro meses. Depois disso é feita nova separação dos grãos envelhecidos e o café está pronto para a comercialização. Os cafés da Indonésia são reconhecidos mundialmente pela característica marcante de exoticidade e sabores diferenciados, tanto pela técnica de produção convencional no país de remoção de pergaminho para secagem, quanto pelo envelhecimento do café das monções.
Como identificar o café velho e o envelhecido?
A complexidade da bebida do café depende essencialmente da constituição genética do varietal, das condições edafoclimáticas e do processamento pós-colheita. Como no Brasil não há varietais que naturalmente apresentam grande complexidade sensorial, como ocorre em algumas variedades etíopes, por exemplo, os produtores lançam mão de alguns métodos específicos para modificar a qualidade do café, como o uso de fermentações, de diferentes métodos de secagem e de envelhecimento artificial, pois com isso conseguem alterar positivamente algumas características sensoriais do café. Inevitavelmente algumas características são negativamente alteradas também, o que requer um rigoroso monitoramento e controle do processo produtivo para que a qualidade modificada não fique pior que a qualidade original do café.
Diferenciar um café velho de um café envelhecido não é tarefa fácil, pois em determinadas situações esses termos podem ser sinônimos. Uma dica importante é ficar atento às técnicas de produção do grão e à origem do café e sempre lembrar que café velho é qualquer café que não seja da safra atual e que café envelhecido só se produz com café de safra atual. Neste contexto, qualquer café com mais de 12 meses de armazenamento e que apresentar características sensoriais alteradas que remetem ao envelhecimento será considerado café velho ou remanescente. Como a maioria dos consumidores não tem acesso ao grão cru de café, para que possa examiná-los, o pesquisador do IAC orienta o consumidor a estar atento à qualidade sensorial, especificamente sabor e aroma do café. Enquanto grão cru, um café velho apresenta coloração amarelada ou esbranquiçada, baixa densidade, expansão do tamanho do grão e cheiro característico de café velho, que lembra cheiro de papelão, madeira velha, celulose, óleo rançoso ou da própria sacaria de juta, dependendo da idade dos grãos e das condições de armazenamento.
No café velho torrado é visível a superfície brilhante dos grãos devido ao extravasamento de óleos durante o processo de torra e aroma de óleo rançoso. No café moído percebe o aroma de café velho, que lembra madeira, sacaria e cereal e sabor de óleo de fritura velho. Na bebida nota-se baixa acidez, baixa doçura, baixo corpo, amargor intenso e aroma e sabor característico de café velho. “Na prática, notamos que cafés velhos não se desenvolvem normalmente durante a torra, devido à sua deterioração, o que requer a aplicação de torras mais escuras, mascarando possíveis defeitos dos grãos e acentuando o amargor da bebida”, afirma o pesquisador do IAC, da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA). O Instituto é responsável por 90% das cultivares de café tipo arábica plantadas no Brasil, o maior produtor mundial do grão e o segundo maior consumidor da bebida. O Instituto Agronômico já desenvolveu 65 cultivares de café arábica e atualmente conduz um Programa de Pesquisa em Cafés Especiais visando oferecer um atendimento diferenciado a esse importante segmento da cafeicultura brasileira.
Por Paloma Minke
Fonte: Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo