O Plenário do Senado aprovou nesta quarta-feira (16) o PL 5.028/2020, projeto de lei que cria a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais. Como o texto aprovado foi o substitutivo apresentado pelo relator da matéria, senador Fabiano Contarato (Rede-ES), ao projeto original do deputado federal Rubens Bueno (Cidadania-PR), a matéria voltará à Câmara para nova análise.
A matéria institui pagamento, monetário ou não, para serviços que ajudem a conservar áreas de preservação. De acordo com o texto, serviços ambientais são atividades individuais ou coletivas que favorecem a manutenção, a recuperação ou a melhoria de ecossistemas.
Além disso, o texto disciplina a atuação do poder público, das organizações da sociedade civil e de agentes privados em relação aos serviços ambientais. De acordo com a proposta, serão priorizados os serviços oferecidos por comunidades tradicionais, povos indígenas e agricultores familiares.
Presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado (CMA), Contarato explica que o pagamento por serviços ambientais foi previsto, pela primeira vez, no Código Florestal (Lei 12.651, de 2012). Mas, segundo ele, não houve avanços na implementação desse dispositivo na esfera federal, embora diversas unidades da Federação já tenham aprovado normas próprias para tratar desse assunto.
— É um projeto importante não só para ambientalistas e para a agropecuária, mas para toda a população brasileira — afirmou.
Segundo o relator, o projeto avança na conceituação e na caracterização de diversas questões associadas ao pagamento por serviços ambientais. O pagador, por exemplo, pode ser uma instituição pública ou privada, pessoa física ou jurídica. O pagamento pode ser monetário, mas também pode ser feito pela oferta de benefícios sociais, equipamentos ou outra forma de remuneração previamente pactuada entre as partes. A proposição especifica ainda os tipos de serviços ambientais que podem ser contratados.
Contarato disse que o seu substitutivo foi construído “a várias mãos”, com a ajuda de ambientalistas e representantes de vários setores da sociedade. Ele informou que acatou, de forma total ou parcial, todas as 13 emendas apresentadas pelos senadores.
Ações
De acordo com o texto, a efetivação da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais caberá ao Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais, cuja criação também está prevista no projeto. Entre as ações previstas por essa política, estão a conservação e a recuperação da vegetação nativa, da vida silvestre e do ambiente natural em áreas rurais, de matas e florestas situadas em áreas urbanas e dos recursos hídricos (principalmente nas bacias hidrográficas com cobertura vegetal crítica).
Também terão prioridade, segundo o projeto, a formação de corredores de biodiversidade e o combate à fragmentação de habitats. A política trata ainda do manejo sustentável de sistemas agrícolas, agroflorestais e agrossilvopastoris que contribuam para captura e retenção de carbono.
Podem ser objetos da política as áreas cobertas com vegetação nativa; as áreas sujeitas a restauração ecossistêmica; a recuperação da cobertura vegetal nativa ou o plantio agroflorestal; as unidades de conservação de proteção integral; as áreas silvestres das unidades de conservação de uso sustentável, das zonas de amortecimento e dos corredores ecológicos; os territórios quilombolas e outras áreas legitimamente ocupadas por populações tradicionais; as terras indígenas, mediante consulta prévia aos povos indígenas; as paisagens de beleza cênica, prioritariamente em áreas especiais de interesse turístico; e áreas de exclusão de pesca.
Contarato incluiu as reservas extrativistas e as reservas de desenvolvimento sustentável (RDS) entre as áreas elegíveis para pagamento de serviços ambientais, além das unidades de conservação de proteção integral. As RDS são áreas naturais que abrigam populações tradicionais, cuja existência baseia-se em sistemas sustentáveis de exploração de recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às condições ecológicas locais.
“Trata-se, aqui, de reconhecer o importante papel que as comunidades tradicionais dessas áreas desempenham na conservação dos recursos naturais e dos serviços ambientais associados”, diz o relator.
Imóveis privados
A principal mudança feita pelo relator foi em relação ao pagamento de serviços ambientas em imóveis privados. De acordo com o texto do projeto, poderiam receber serviços ambientais apenas as propriedades situadas em zona rural inscritas no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e as situadas em zona urbana que estejam em conformidade com o plano diretor. Em seu substitutivo, Contarato permitiu que as reservas particulares do patrimônio natural e as áreas das zonas de amortecimento e dos corredores ecológicos cobertas por vegetação nativa também sejam objeto de serviços ambientais.
Além disso, o senador retirou do texto a exigência de remuneração não monetária para serviços ambientais em áreas de preservação permanente (APPs) e de reserva legal em bacias hidrográficas consideradas críticas para o abastecimento público de água ou em áreas prioritárias para conservação da diversidade biológica em processo de desertificação ou avançada fragmentação. Com a mudança, esses serviços também poderão ser pagos em dinheiro.
Contarato explica que a exigência de remuneração não monetária foi objeto de polêmica nas discussões sobre o projeto realizadas na Câmara e no Senado. Segundo ele, quem é contrário à remuneração monetária argumenta que o Código Florestal já prevê as ações devidas pelos proprietários nessas áreas e que só faria sentido a concessão de algum tipo de incentivo econômico caso houvesse, por parte do proprietário, medidas de conservação adicionais às exigidas pela lei.
O relator destaca, no entanto, que o próprio Código Florestal prevê o “pagamento ou incentivo a serviços ambientais como retribuição, monetária ou não, às atividades de conservação e melhoria dos ecossistemas e que gerem serviços ambientais”, citando, entre as atividades elegíveis para esse benefício, “a manutenção de áreas de preservação permanente, de reserva legal e de uso restrito”.
Pagamento
O projeto também disciplina o pagamento por serviços ambientais. Ao prestador do serviço, o pagamento poderá ser feito em dinheiro, em melhorias sociais para as comunidades, em compensação vinculada à redução de emissões por desmatamento e degradação, por comodato (uma modalidade de empréstimo) ou em cota de reserva ambiental. Para o financiamento do programa, a União poderá captar recursos de pessoas físicas, empresas e agências multilaterais e bilaterais de cooperação internacional, preferencialmente sob a forma de doações.
O Poder Executivo também poderá conceder incentivos tributários para estimular a sustentabilidade ambiental em padrões de produção e em gestão dos recursos naturais e para fomentar a recuperação de áreas degradadas. Outra forma de benefício é a concessão de créditos com juros diferenciados para a produção de mudas de espécies nativas, a recuperação de áreas degradadas e a restauração de ecossistemas em áreas prioritárias para a conservação, em áreas de preservação permanente (APPs) e em reserva legal em bacias hidrográficas consideradas críticas.
Os recursos decorrentes do pagamento por serviços ambientais pela conservação de vegetação nativa em unidades de conservação devem ser aplicados pelo órgão ambiental competente em atividades de regularização fundiária; elaboração, atualização e implantação do plano de manejo; fiscalização e monitoramento; manejo sustentável da biodiversidade; e outras vinculadas à própria unidade. Quando os serviços forem executados em terras indígenas, os recursos decorrentes do pagamento devem ser aplicados em conformidade com a política de gestão ambiental dessas terras.
Cadastro nacional
O projeto determina ainda a criação do Cadastro Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais. Esse cadastro deve conter os contratos de pagamento por serviços ambientais envolvendo agentes públicos e privados, as áreas potenciais e os respectivos serviços ambientais prestados, bem como as informações sobre os planos, programas e projetos que integram a política nacional.
Nesse cadastro devem ser unificados os dados de todas as esferas de governo, dos agentes privados e das organizações da sociedade civil de interesse público (Oscips) e de outras organizações não governamentais que atuarem em projetos desse tipo. O cadastro deverá estar integrado ao Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente (Sinima) e ao Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar).
Colegiado
Outra mudança proposta por Contarato se refere ao colegiado que irá gerir a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais. De acordo com o texto original, caberia a esse órgão propor métricas de valoração, estabelecer instrumentos de monitoramento ou indicar bacias hidrográficas críticas, propor a métrica de valoração dos contratos e definir os critérios de proporcionalidade no pagamento por serviços ambientais que envolvam recursos públicos.
“Entendemos que essas atribuições são de natureza extremamente técnica, o que exigiria critérios seletivos rigorosos para seus membros. Da mesma forma, parece pouco factível que tal colegiado possa estabelecer metas para um programa que não oferece qualquer previsibilidade quanto aos recursos disponíveis para sua implementação”, ponderou o relator.
Contarato propôs, então, uma reformulação das competências do colegiado, dando-lhe um perfil mais político, de orientação, monitoramento, acompanhamento e aconselhamento. De acordo com o substitutivo, o colegiado será composto, de forma paritária, por representantes do poder público, do setor produtivo e da sociedade civil, e será presidido pelo titular do órgão central do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama). A participação no órgão colegiado não será remunerada.
O relator acatou emenda do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) para que também integrem o colegiado os principais provedores de serviços ambientais, as comunidades tradicionais, os povos indígenas, os agricultores familiares e os empreendedores familiares rurais.
Outras emendas
Entre as emendas acatadas por Contarato está a do senador Rodrigo Cunha (PSDB-AL), que inclui entre os objetivos da política o incentivo a medidas de garantia de segurança hídrica nas regiões sujeitas a escassez de água e a processos de desertificação.
Randolfe teve mais duas emendas aceitas: uma exclui da exigência de inscrição no Cadastro Ambiental Rural os territórios quilombolas, as terras indígenas e as unidades de conservação. Ele argumentou que, nesses casos, a ausência de registro se deve à omissão do poder público.
A outra emenda de Randolfe acatada assegura que o pagamento por serviços ambientais em terras indígenas, territórios quilombolas e outras áreas legitimamente ocupadas por populações tradicionais seja feito mediante consulta prévia, nos termos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais, da qual o Brasil é signatário.
O projeto altera a Lei 8.629, de 1993, que regulamenta dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, e a Lei 8.212, de 1991, que dispõe sobre a organização da seguridade social, institui plano de custeio e dá outras providências.
Fonte: Agência Senado