Medida impacta relação com os EUA, de onde vem cerca de 90% do etanol importado. Tarifa de 20% voltará a incidir sobre toda a carga; Trump já falou em possível retaliação ao Brasil
O governo brasileiro não renovou a cota de isenção tarifária para a importação de etanol. A regra que previa tarifa zero para mais da metade da importação média do combustível perdeu validade ao final de agosto.
Com a decisão, o imposto de importação de 20% passa a incidir sobre todo o etanol que entre no Brasil e não seja de países integrantes do Mercosul. A medida atinge, principalmente, o fluxo comercial do país com os Estados Unidos.
A isenção sobre parte do etanol importado foi estabelecida em 2017 e valia para os primeiros 600 milhões de litros a entrarem no Brasil a cada ano. A partir desse ponto, passava a incidir a tarifa de 20%.
Em 2019, a cota foi ampliada para 750 milhões – pouco mais da metade do 1,457 bilhão de litros que o Brasil importou do combustível em todo o ano. Do total importado, 90,66% (1,321 bilhão de litros) veio dos Estados Unidos.
Competitividade
Apesar de serem utilizados da mesma forma, o etanol brasileiro e o norte-americano têm origens distintas. O combustível nacional é extraído da cana-de-açúcar, enquanto a produção dos Estados Unidos é majoritariamente baseada em milho.
A cadeia de produção dos EUA recebe subsídios vultosos do governo americano. Somados à isenção tributária que vigorava no Brasil até este domingo, eles faziam com que o etanol importado fosse mais barato, aqui no Brasil, que a produção nacional.
Em 2020, até julho, o Brasil já tinha importado 841 milhões de litros de etanol – ou seja, acima da cota anual isenta de tributação. Desse volume, 747 milhões de litros, ou 88,82%, vieram dos Estados Unidos.
Retaliação
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, deu declarações no início do mês sobre a necessidade da isenção para a importação de etanol pelo Brasil. Em franca campanha de reeleição, Trump chegou a apontar possibilidade de “retaliação” caso a taxação voltasse.
Mais que a simples renovação da cota, Trump defende a eliminação de todas as taxas sobre o etanol que os EUA vendem para o Brasil.
O presidente não citou no discurso, no entanto, que o açúcar exportado pelo Brasil – que, assim como o etanol, é derivado da cana-de-açúcar – é taxado em 140% ao chegar em solo norte-americano.
A decisão do Brasil de não renovar a cota de importação de etanol foi tomada dias depois de uma outra medida que afetou a balança comercial com os EUA. O governo Trump reduziu a quantidade de aço brasileiro importado sob tarifa diferenciada – na prática, dificultando a entrada do produto brasileiro nos Estados Unidos.
Vantagem à produção nacional
O setor sucroenergético comemorou a decisão do governo, e avalia que a mudança nas regras tarifárias deve beneficiar a produção nacional.
O presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar, Evandro Gussi, afirma que a redução da atividade econômica em razão da pandemia de covid-19 fez com que boa parte do etanol nacional ficasse estocado – 43% acima do nível normal, nos últimos meses.
Gussi afirma que o país tem capacidade de aumentar a produção e que, mesmo com a retomada da economia, não há risco de escassez de etanol ou de aumento do preço para o consumidor final.
“Nós enxergamos que essa decisão é absolutamente acertada e os interesses brasileiros foram os que prevaleceram nesse momento importante para a indústria e para o país. Os americanos não aceitaram oferecer qualquer contrapartida como, por exemplo, uma isenção para a tarifa de importação do nosso açúcar, que hoje é de 140%”, declarou.
Por Vinícius Leal
Fonte: G1