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Biometano disputa espaço do petróleo e avança na transição energética

A economia movida a restos, como lixo, esgoto, esterco e subprodutos vegetais do agronegócio, tem um protagonista em ascensão, o biometano. O nome é feioso, mas suas características como substituto de combustíveis fósseis são atraentes para um número crescente de interessados.

Em resumo, o processo de geração desse elemento é simples. Restos orgânicos, que sem tratamento adequado contaminam o ambiente e causam doenças, são processados em compartimento fechado, emitindo biogás. Purificado em outro processo, se transforma em biometano —e ainda gera biofertilizantes.

As características do biometano são idênticas ao do gás natural de petróleo, a ponto de ser possível misturar ambos numa rede de gasodutos, nos canos de casas e empresas e até nos tanques de veículos que utilizam gás de petróleo. Pode também substituir o diesel em ônibus e caminhões e a gasolina, nos carros.

Esse gás extraído de matéria orgânica, no entanto, tem uma importante diferença em relação ao irmão fóssil: considerando todo o processo produtivo, a troca de um pelo outro pode reduzir as emissões em 80% —daí estar ganhando espaço como aliado das empresas para cumprir metas de descarbonização.

“Ao furar um poço de petróleo, ocorre a liberação de um gás que estava preso, quieto sob a rocha, e isso eleva o volume de emissões. O biometano, ao contrário, já está na atmosfera. Não é uma nova emissão”, explica Tamar Roitman, gerente-executiva da Abiogás (Associação Brasileira de Biogás).

Três segmentos são as principais fontes do produto: os restos acumulados em aterros sanitários, os subprodutos da agropecuária e os resíduos de saneamento básico.

“O biometano é a bola da vez”, afirma Milton Pilão, CEO da Orizon Valorização de Resíduos, cuja essência é gerar ganhos a partir do lixo. A companhia é listada na B3, a Bolsa de São Paulo, participou da COP28 (conferência do clima da ONU) e tem uma ampla visão da demanda por produtos ambientalmente corretos. Seus aterros sanitários transformados em ecoparques oferecem inúmeros produtos. Já são 16 em 11 estados.

“No conjunto, temos tecnologia de compostagem acelerada para gerar fertilizante, triagem mecanizada para reciclados, equipamentos para transformar resíduo em pallets de combustível e também para captar o biogás do aterro, que podemos transformar em energia elétrica ou biometano”, enumera.

“A demanda por gás renovável hoje é muito maior que a oferta, especialmente pelas indústrias, e estamos priorizando o biometano.”

No ecoparque de Paulínia (SP), por exemplo, onde uma térmica abastece o sistema nacional, a meta é priorizar a oferta do biometano quando o prazo do contrato de fornecimento de eletricidade chegar ao fim, em 2025.

A Gás Verde, do grupo Urca Energia, maior produtora de biometano da América Latina a partir do aterro de Seropédica (RJ), segue a mesma toada.

Abastece 100% da fábrica da Ambev em Cachoeiras de Macacu (RJ) desde 2022. Neste ano, renovou o acordo com a siderúrgica Ternium e assinou novos contratos. Vai fornecer biometano à fábrica Saint-Gobain em Queimados (RJ) e manter toda a frota do Grupo L’Oréal. O posto fica ao lado do Centro de Distribuição Gaia, no estado de São Paulo.

No agronegócio, o potencial é imenso, dada a posição do Brasil no setor, e os investimentos avançam.

“Granjas de aves e porcos, confinamento de gado, resíduo de culturas como cana, frutas e até mandioca são fontes importantes”, explica Gabriel Kropsch, um dos fundadores e conselheiro da Abiogás.

Nesse segmento, o grupo Cosan tem sido especialmente ativo.

A Compass, braço que atua na distribuição de gás, tem firmado parceria para colocar o biometano na rede. Já a Raízen, uma das maiores distribuidoras de combustíveis do Brasil, investe numa planta de biometano a partir de resíduos da cana, em Piracicaba (SP). Prevista para entrar em operação em 2024, terá capacidade para abastecer o equivalente a 200 mil clientes residenciais.

“O saneamento, por ser um setor muito regulado e dependente de políticas públicas, é o que está ficando para trás. Talvez as privatizações no setor mudem essa dinâmica”, diz Kropsch.

A Sabesp, por exemplo, chegou a investir em uma planta-piloto em Franca (SP), processando o esgoto de 400 mil pessoas. O projeto foi bem-sucedido e mostrou a eficácia para a produção em alta escala, afirma Cristina Zuffo, superintendente de pesquisa da Sabesp.

Foi possível produzir biofertilizantes e o biometano, que abastece todos os 40 veículos da unidade. São gerados em gás o equivalente a 2.000 litros de gasolina por dia, o que dá uma economia de R$ 500 mil por ano para a empresa. Porém, a iniciativa não foi expandida.

No Brasil, há 542 usinas de biogás, autorizadas para geração de energia elétrica, e sete de biometano registradas, respectivamente, na Aneel e ANP (as agências de energia elétrica e petróleo).

No entanto, o número de usinas em atividade é muito maior, explica o engenheiro Heleno Quevedo, pesquisador na área e fundador do Portal Energia e Biogás. Ele dá um exemplo. A CIBiogás (Centro Internacional de Energias Renováveis), cujos dados vão até 2022, aponta que estavam em atividade no Brasil 934 usinas do gênero.

Essa disparidade ocorre porque a ANP não vai considerar uma usina que produza um biometano abaixo de suas especificações. Contudo, o mesmo produto pode passar pelo crivo de uma indústria para abastecer a produção e ajudar a cumprir metas de descarbonização.

A JBS, maior empresa processadora de carnes do mundo, anunciou na COP28 que já investiu na captura de biogás em 14 fábricas nos Estados Unidos e Canadá. No Brasil, o programa neste ano incluiu a instalação de biodigestores em nove fábricas da Friboi. Adotando o conceito de economia circular, a meta é utilizar os gases emitidos na produção para gerar energia nas unidades e abastecer veículos da empresa.

A Nestlé anunciou recentemente que vai adotar o biometano de cana-de-açúcar e de aterros sanitários como o combustível para caldeiras e fornos no lugar do GLP. A fábrica de Araçatuba (SP) vai abrigar o projeto-piloto, mas já está nos planos adaptar as unidades de Caçapava (SP) e Marília (SP).

A Scania está trocando o gás natural por biometano nas suas operações, ao mesmo tempo em que trabalha pela substituição do combustível em seus produtos.

O vice-presidente de vendas e marketing da Scania Latin America, Paulo Moraes, explica que a meta para 2024 é que de 10% a 15% da produção anual de caminhões sejam a gás. A unidade brasileira opera em São Bernardo do Campo (SP) desde 1962 e produz veículos sob encomenda.

“O gás natural de petróleo e o biometano usam exatamente a mesma máquina. Ao ter um número maior de veículos que possam rodar a gás é como se fosse uma preparação para usar mais biometano. Nesse aspecto, a jornada do gás é extremamente importante tanto em caminhões quanto em ônibus.”

A produção e o aproveitamento do biogás, a versão menos sofisticada do produto, pode ser feita até em pequena escala.

A empresa israelense HomeBiogás criou um sistema compacto que transforma restos de comida e qualquer tipo de cocô em biofertilizante e gás para fogão. Há alternativas de instalação em locais tão diversos quanto escola, fazenda, hotel, pequena indústria e até canil de cachorros.

A Terra Indígena Jaraguá, do povo guarani, na capital paulista, recebeu 38 equipamentos.

O biodigestor é ligado a um banheiro químico. Por fora, ele é aquela casinha azul. Por dentro, é um banheiro com vaso sanitário tradicional. Encanamentos conectam o sistema a fogareiros. Os indígenas passaram a ter acesso, de uma vez só, a fertilizante para plantar, gás para cozinhar e saneamento, carência recorrente em áreas isoladas.

“O sistema melhorou a saúde de toda a aldeia”, afirma Karai Yapuá, pajé da comunidade.

Criada em 2012, a HomeBiogás atua em mais de cem países em todos os continentes, explica Leandro Toledano, presidente da BioMovement, que representa da empresa no Brasil.

“Nossa meta é instalar no Brasil um milhão de equipamentos até 2040”, afirma.

Fonte: Folha de S. Paulo

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