De proteção contra broca a melhor rendimento em açúcar, uso do silício tem apresentado ótimos resultados
A Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, vem testando os efeitos da suplementação com silício (Si) sobre fatores bióticos e abióticos que afetam a cana-de-açúcar. Promissores, os resultados têm rendido publicações em importantes revistas científicas.
O silício é um elemento que está presente em todos os solos, sendo seu principal formador. No entanto, a maioria dos solos tropicais tem baixa quantidade de solúveis, ou seja, disponíveis para a planta”, comenta a pesquisadora da APTA Regional de Piracicaba Mônica Sartori de Camargo. Ela usa como exemplo a areia da praia, que apresenta uma grande concentração total de Si (na forma de sílica, SiO2), mas onde o elemento não está disponível para absorção pelas raízes das plantas. “Para estar disponível, as partículas do solo devem ser mais finas, como ocorre nos de textura argilosa”, afirma.
Em suas pesquisas, Mônica trabalha justamente com os solos arenosos, que passaram a ser muito utilizados no interior paulista para a cultura da cana-de-açúcar, seu foco de estudo. “A cana é considerada uma acumuladora de Si”, coloca a especialista. Apesar disso, menciona, a suplementação com esse elemento normalmente não é considerada essencial para a cultura, apesar de ser vista como benéfica. O intuito da pesquisadora é justamente mostrar como pode ser positivo para o canavicultor investir nesse tipo de adubação.
Em seus experimentos, Mônica emprega a escória de siderurgia moída como fonte desse elemento. “A escória é tida como um passivo ambiental, vindo da fabricação de ferro e aço, e é rica em Si, Cálcio (Ca) e Magnésio (Mg)”, explica a pesquisadora da APTA Regional. Conforme conta, o material tem várias origens e é necessário que seja aprovado para uso agrícola, sendo isento de metais pesados e outros contaminantes. “Esse silicato pode ser usado como fonte de Si e como corretivo de acidez do solo, por conter calcário”.
Mais produção e menos broca
Inicialmente, os esforços de Mônica se focaram em testar a absorção de Si em diferentes variedades de cana. “Testamos variedades do Instituto Agronômico (IAC-APTA) e, ao longo de 3 ciclos, queríamos estudar se tinha alguma relação entre absorver mais silício do solo e a capacidade da planta em ter menos broca da cana-de-açúcar (Diatraea saccharalis)”, pontua Mônica. De acordo com ela, uma vez absorvido pelas raízes, o silício sobe pela planta através do xilema e se deposita nas folhas na forma de um polímero (que pode ser comparado ao silicone, por exemplo). “Ele forma uma dupla camada de sílica e cutícula na epiderme e os insetos passam a ter mais dificuldade de entrar nesse tecido”, detalha a especialista. Ela verificou que algumas variedades possuíam teores mais altos de Si quando comparadas às demais, como a IAC91-1099, mas não encontrou relação direta entre teor de Si no solo e ataque de D. saccharalis. Embora o solo possuísse quantidade de Si adequada para a planta, ela poderia não ser suficiente para reduzir o dano da broca.
Num segundo momento, a pesquisadora resolveu aplicar o Si no solo com a finalidade de tentar reduzir os impactos causados pelo inseto. Os experimentos foram feitos em dois diferentes tipos de solo, com aplicação do Si nos sulcos de plantio, e todos os tratamentos receberam a mesma quantidade de Ca e Mg que o grupo controle, para que fosse possível analisar especificamente o efeito do Si. “Percebemos que houve uma redução na quantidade de ataque de broca nos dois ciclos, especialmente para a variedade SP89-1115, que era susceptível ao ataque de broca. Os resultados mostraram que foi sim vantajoso utilizar a adubação com Si. Foi algo muito importante de se observar em experimento de campo”, enfatiza Mônica, sugerindo que o Si pode ser um bom aliado em estratégias de controle biológico de pragas. Alguns resultados do trabalho foram publicados na revista científica Field Crops Research (acesse, em inglês), de grande relevância na área.
Tolerância à ferrugem
Dentre os fatores de origem biológica que podem interferir no crescimento de uma planta (o dito estresse biótico), os ataques de insetos e as doenças estão entre os mais importantes. Com um desfecho positivo no caso da broca, a pesquisadora da APTA Regional pensou que seria uma boa ideia avaliar se o Si poderia contribuir também para a tolerância da cana à ferrugem-marrom, doença causada pelo fungo Puccinia melanocephala. “Quando as variedades saem dos programas de melhoramento genético, a ferrugem marrom é uma das doenças avaliadas nos campos experimentais, mas o grande problema é que em plantio comercial há pressões ambientais e as plantas são expostas a várias cepas do fungo”, informa Mônica. Segundo narra, nos últimos anos a ferrugem tem afetado muito os plantios e, apesar de não matar a planta, reduz bastante a fotossíntese e pode prejudicar o crescimento em algumas situações.
“Assim, foram avaliadas plantas de cana em vasos de 100 L com vários tipos de solos. Vimos que conforme aumentava a concentração de Si no solo, diminuía a incidência natural da ferrugem-marrom”, coloca a pesquisadora da APTA Regional. Isso a incentivou a avaliar, em condições controladas, plantas com 10 semanas em solos com e sem a suplementação de Si. “Foi avaliada a severidade da doença após inoculação de quantidade igual de esporos da doença em todas as plantas depois de 14 dias”, descreve a especialista. Conforme conta, a presença do Si fez com que a planta, em contato com o fungo, passasse a produzir compostos metabólicos específicos, que reduziram a severidade da doença.
Como complementação ao trabalho, a pesquisadora enviou amostras das folhas das plantas para a Unesp. Com a colaboração da estudante de doutorado da universidade Isabel Coutinho, foi possível identificar em laboratório quais compostos químicos as plantas estavam produzindo e quais possuíam a capacidade de combater o fungo causador da ferrugem. “Conseguimos provar que esses compostos são fungicidas naturais, com efeito comparável ao dos produtos sintéticos comercializados hoje”, ressalta a especialista da APTA Regional. A pesquisa também rendeu publicação em periódico especializado (confira aqui).
Minimizando fatores abióticos
Se por um lado o silício se mostrou promissor na redução dos impactos causados pelos fatores bióticos, faltava avaliar como ele poderia contribuir sobre os de origem física e química – os abióticos. Segundo a pesquisadora, nesse quesito o estresse hídrico tem sido um problema tocante ultimamente, devido à diminuição das chuvas. “Temos estudado variedades tolerantes e sensíveis e fizemos experimentos para avaliar se o emprego do Si dava ou não efeito na fisiologia e produção da planta”, discorre.
De acordo com Mônica, a equipe tem conseguido bons resultados. “Em vasos, depois de avaliar as plantas submetidas ao déficit hídrico aos 3 e aos 6 meses, voltamos a fornecer a água usual e a planta adubada com Si mostrou-se mais produtiva mesmo após passar pelo estresse”, celebra. A hipótese é de que o Si esteja atuando como um aliado, estimulando a fotossíntese em momentos de menor disponibilidade de água. “A planta passa a estar mais bem preparada para o estresse, podendo resultar até mesmo em maior produção de açúcar”, realça a pesquisadora. Alguns dos resultados obtidos podem ser lidos neste artigo.
Apesar dos benefícios indicados pelas pesquisas, o uso do Si na forma de silicatos (escórias) em maior escala acaba encontrando ainda alguns gargalos. “Por ser considerado mais vantajoso que o calcário, alguns plantios comerciais já empregam a suplementação de Si em algumas regiões”, diz a especialista. “Entretanto, o uso ainda esbarra na questão do frete em outras regiões, que pode elevar os custos”, pondera. Em sua opinião, isso mostra a necessidade de avaliar outras formas de aplicação e também outras fontes de Si. Outro ponto ao qual o produtor deve estar atento é a qualidade das escórias. “Alguns produtores acabam usando escórias de baixa solubilidade, que não funcionam muito bem, pois o Si demora muito para a planta absorver pela raiz”, finaliza Mônica.
Por Assessoria de Comunicação
Fonte: Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo