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Mercado de carbono está maduro e país pode ter metas ambiciosas, diz presidente do CEBDS

De acordo com Marina Grossi, Brasil tem condições para neutralizar emissões até 2050

Com mercado compulsório de carbono e metas audaciosas para acabar com o desmatamento ilegal, o Brasil pode alcançar a neutralidade de carbono uma década antes do que planeja o Ministério do Meio Ambiente (MMA), avalia a presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Marina Grossi.

Em dezembro, ao apresentar a revisão da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) brasileira para o Acordo do Clima de Paris, o ministro do MMA, Ricardo Salles, condicionou a antecipação da meta de zerar emissões em 2060 ao financiamento externo.

Um dos principais argumentos da pasta contra metas mais ambiciosas é que a preservação ambiental poderia impor barreiras ao desenvolvimento econômico.

O setor empresarial brasileiro tem uma visão diferente. Esta semana, o CEBDS e 30 CEOs divulgaram um documento pedindo metas mais ambiciosas ao governo, que poderiam trazer ganhos econômicos de até US$ 17 bilhões ao país até 2030.

No posicionamento Neutralidade Climática: Uma Grande Oportunidade, empresários afirmam que seguir em direção à retomada verde é a única maneira adequada de garantir competitividade.

Para isso, indicam a bioeconomia, políticas como o RenovaBio e o pagamento por serviços ambientais, além de um mercado regulado de carbono, no formato de um Sistema de Comércio de Emissões (SCE), como “meios para permitir uma maior atratividade e posterior aceleração de entrada de recursos financeiros no país”.

Em entrevista à EPBR, Marina Grossi explica o interesse do setor empresarial brasileiro em fazer parte de um mercado regulado de carbono e como a proposta do CEBDS dialoga com o projeto Partnership for Market Readiness (PMR).

Coordenado pelo Ministério da Economia e pelo Banco Mundial, o Projeto PMR Brasil avaliou a inclusão da precificação de emissões (via imposto e/ou mercado de carbono) no pacote de instrumentos voltados à implementação da Política Nacional sobre Mudança do Clima no pós-2020.

O documento ficou pronto em dezembro, teve uma divulgação discreta (o ministério publicou, mas não avisou), e trouxe como conclusão que a melhor forma de precificação para o Brasil seria via o SCE.

Como a proposta do CEBDS para um mercado de carbono conversa com o Projeto PMR?
O mercado de carbono que a gente propõe está muito em consonância com o que fala o Projeto PMR. O PMR estudou cenários de precificação de carbono no Brasil, e a gente também estudou isso e deu um passo um pouco diferente, porque não foram estudos acadêmicos, não foram cenários. Foram conversas que a gente fez por nove meses com lideranças de 13 setores diferentes sobre se a gente teria condições de avançar no mercado de carbono. Inicialmente, quando a gente começou essa proposta, tinha alguns setores que queriam um fundo, e outros que queriam um mercado. Isso foi evoluindo. O setor privado acredita que o fundo não tem a transparência que o mercado tem e nem o aprendizado.

“A gente começou essa discussão antes da pandemia, e a pandemia deixou muito claro que esse fundo, ou uma taxação, não tem espaço político”,

Marina Grossi (CEBDS)

E não é o melhor caminho quando a gente pensa que ainda está começando esse processo. Hoje mais de 20% do mundo todo precifica o carbono, seja por meio de taxação, mercado ou um híbrido dessas duas coisas. O mercado voluntário existe, no Brasil a gente teve experiência com Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL), já tem simulação na FGV sobre uma bolsa hipotética de carbono. Então já tem maturidade no país para implementar um mercado compulsório de carbono.

Por que um mercado compulsório?
Porque o mercado voluntário – que já existe há muito tempo, inclusive no Brasil – no mundo inteiro é responsável por cerca de 1% das transações do mercado de carbono. Ou seja, ele não dá a escala que precisa para acelerar esse processo. Por outro lado, precificar o carbono é a forma mais rápida de atingir as metas, seja como país, seja como indústria. A precificação de carbono em uma empresa de óleo e gás, por exemplo, permite que os projetos que emitem mais gases de efeito estufa sejam menos vantajosos na comparação com projetos que emitem menos. Isso permite que as empresas migrem para renováveis. Hoje, sem a regulamentação na questão do carbono, esse preço acontece livremente. Não existe estímulo para você não emitir.

Qual o maior entrave para esse mercado acontecer no Brasil?
Não tem nenhuma dificuldade. Eu acho que são tantas as urgências que ele acaba sendo deixado de lado, mas ele é extremamente importante. Se a gente se preparar para um inevitável comércio internacional de carbono, que é a nossa grande nova commodity, quando as empresas estão pedindo para ser reguladas, a gente só tem vantagens competitivas. E é também um processo de aprendizagem. É uma forma de a gente aprender a estabelecer o melhor preço para a tonelada de carbono. A União Europeia já está desde 2015 com os seus mercados. A gente tem que fazer parte desse processo quando as regras ainda estão sendo feitas, porque a gente tem muito a aprender, mas também pode ter muito a ensinar.

Qual a expectativa em relação ao que o Brasil vai apresentar na COP26?
A gente não concorda com a posição que o Itamaraty tem em relação ao Artigo 6. A gente acredita que os ajustes de correspondentes é algo que tem que ser cuidado para que nossos créditos sejam exportáveis e o Brasil seja competitivo. A gente tem pedido que o governo discuta o Artigo 6, com a sociedade, com as empresas, para que nós possamos ir unidos defender essa posição, que é crucial para o Brasil não ser isolado de um mercado onde ele só tem vantagens, dependendo da postura.

O Brasil consegue apresentar uma NDC mais ambiciosa? É possível chegar à neutralidade de carbono antes de 2060?
A gente tem condições de cumprir a nossa NDC e ser carbono neutro, ter emissões líquidas zero até 2050 com tranquilidade, se a gente combater o desmatamento ilegal, sobretudo. A gente não tem uma NDC complicada, devido ao perfil de emissão do Brasil, que 2/3 é devido ao uso da terra e desmatamento ilegal. Se combate ao desmatamento ilegal, por um lado, e estabelece o mercado de carbono, por outro, a nossa agricultura, que já é muito tecnológica, pode acelerar a inovação. Assim como outros setores. O mercado de carbono tem uma vantagem muito grande porque uma outra forma de reduzir, além de transacionar no mercado, é compensar via offset de floresta e agricultura. Ao direcionar os recursos para essa área, a gente tem uma saída honrosa para avançar nessa questão que é o nosso calcanhar de Aquiles.

Por Nayara Machado

Fonte: EPBR

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