Existe uma grande variedade de animais considerados peçonhentos no Brasil. O que caracteriza um animal peçonhento é ele possuir uma toxina, uma substância complexa, que conhecemos como “veneno” e ser capaz, com o mecanismo de dentes ou ferrão, de inocular esse veneno no corpo de outro animal ou no ser humano. Entre os animais peçonhentos no Brasil, os que têm essa capacidade e são os que resultam em mais ataques ao ser humano, são algumas espécies de serpentes, aranhas e escorpiões.
“Uma cascavel possui presas e, portanto, tem a capacidade de produzir veneno e inoculá-lo por meio da picada. Já outros são apenas venenosos, como o sapo, que tem uma glândula atrás da cabeça que produz veneno, o qual é expelido quando ele se encontra em estresse, mas não tem a capacidade de inoculação, a pessoa só será envenenada se, por acaso, manipular o sapo e tiver uma ferida por onde o veneno possa penetrar”, explica o médico veterinário Cláudio Camacho Menezes, da Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRS), órgão de assistência técnica e extensão rural da Secretaria de Agricultura e Abastecimento.
Existem outros grupos, como as taturanas ou lagartas-de-fogo, também peçonhentos. Nas praias, os banhistas também podem sofrer lesões com seres marinhos como as água-vivas, assim como outros seres aquáticos de água-doce capazes de inocular veneno como as arraias, “mas os três grupos que causam mais acidentes ao ser humano são as aranhas, serpentes e escorpiões”, frisa o técnico da Secretaria, Cláudio Menezes, que atua na linha de frente junto aos produtores rurais e também como professor. Em suas aulas ele aborda o assunto sobre animais peçonhentos, que tanto podem estar no meio rural como no meio urbano. E reforça: “Aquele que mais tem chamado a atenção nos últimos tempos é o escorpião, pelo maior número de ocorrências registradas”.
Escorpiões são do grupo dos artrópodes e da classe dos aracnídeos, ou seja, são da mesma classe das aranhas, mas de outra ordem. Há várias espécies de escorpiões, porém os mais importantes no Estado de São Paulo são o escorpião-amarelo e o escorpião-marrom, sendo o amarelo mais perigoso. “É bom lembrar que o escorpião não é um inseto, muitos o conhecem como ‘lacraus’. O seu corpo é formado por uma carapaça, com quatro pares de patas e um par de pinças, e pelo abdômen, onde estão o tronco e a cauda; mas é com a cauda que devemos nos preocupar, porque é na extremidade dela que se encontra um aguilhão, ou ferrão, e é por meio desse mecanismo que ele inocula o veneno”, explica Camacho.
O escorpião-amarelo se reproduz por partenogênese, ou seja, a fêmea gera filhotes sem que haja participação de um macho no ambiente. A fêmea pode parir duas vezes por ano, em geral gerando 20 filhotes a cada parto. “O escorpião não põe ovos, eles nascem e se alojam sobre o corpo da mãe e por ali ficam durante mais ou menos 15 dias, quando mudam a pele e ganham a carapaça e aí já passam a se locomover sozinhos e a procurar comida, ou seja, apenas uma fêmea pode causar uma grande infestação, caso não haja inimigos naturais”, diz o técnico, reforçando a preocupação com o aumento significativo da população desse escorpião em especial. “São pelo menos 40 filhotes por ano para cada fêmea, a qual vive cerca de quatro anos, tendo, portanto, a capacidade de gerar 160 novos escorpiões durante sua vida. Se estiverem em um ambiente seguro, onde não haja predadores naturais, geralmente outros animais de hábitos noturnos, haverá grande proliferação”, garante Camacho.
Existem no mundo cerca de 1.600 espécies de escorpiões, mas apenas 25 delas podem causar problemas ao ser humano. No Brasil, são 160 espécies e, em São Paulo, apenas duas espécies têm importância em saúde, o amarelo e o marrom. Os acidentes mais graves são com escorpiões-amarelos, podendo levar a óbito, em especial entre crianças de 0 a 10 anos.
Escorpiões são predadores, ou seja, se alimentam de outros animais, principalmente insetos, e podem até mesmo praticar canibalismo. Têm hábitos noturnos, dificilmente são avistados durante o dia, buscam abrigos em cantos, atrás de armários, embaixo de máquinas, em restos de construção, entulhos, telhas; estes são ambientes que gostam de se instalar. À noite saem à procura de insetos, em especial baratas. São vivíparos, parem filhotes prontos, os quais ficam nas costas da mãe até a primeira muda de pele, em geral duas semanas, aí descem e começam a perambular à procura de alimentos. O tempo de gestação é de três meses e se reproduzem, conforme mencionado, duas vezes por ano.
Segundo especialistas, é no verão, quando há maior temperatura e umidade, que eles estão mais ativos, sendo os momentos mais propícios aos acidentes. As espécies mais conhecidas, como Tityus serrulatus (escorpião-amarelo) e o Tityus bahiensis (escorpião-marrom), medem em torno de 7cm; o amarelo apresenta pernas e cauda de cor amarelo-claro com manchas escuras no tronco e no final da cauda, já o marrom apresenta um tom avermelhado escuro, tanto nas pernas como nas pinças e cauda, com o tronco bem escuro.
“Os ataques por escorpiões aumentaram muito nos últimos 10 anos no Brasil e no Estado de São Paulo em especial. Há 10 anos já era significativo, representando cerca de 30% dos acidentes com animais peçonhentos, segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que registrou, em 2008, 40 mil casos de ataques por escorpiões. Já em 2018, foram registrados em torno de 156 mil casos, um aumento cerca de quatro vezes mais ataques em 10 anos”, alerta Camacho Menezes. Um motivo de preocupação e de alerta, principalmente nesta época do ano favorável ao aparecimento de escorpiões pelo clima quente e úmido do verão. Porém tais ataques podem ocorrer durante todo o ano em um país tropical como o Brasil.
Existem algumas suposições sobre tal aumento na população de escorpiões. Segundo Camacho, especialistas relatam que fatores como desmatamento ou condições precárias de urbanização, expansão das cidades sem a prévia adequação do ambiente para receber moradias, condomínios e casas invadindo áreas antes consideradas rurais ou limítrofes a estas têm sido as prováveis causas desse aumento de população e, consequentemente, de registros de ataques. “Os escorpiões têm facilidade de se adaptar ao ambiente urbano onde eles podem ter abrigo, já que casas são ambientes seguros, onde não existem predadores naturais e encontram alimento, como insetos, principalmente, baratas, um verdadeiro chamariz para eles.
Estudos falam sobre o aumento da prevalência do escorpião-amarelo em São Paulo e no Brasil em função da partenogênese. “O escorpião-amarelo tem grande importância na área da saúde e é um dos mais perigosos no mundo”, alerta Camacho. O grupo de risco são crianças de 0 a 10 anos, faixa em que ocorre o maior número de óbitos em saúde; e pessoas mais vulneráveis, como os idosos, também são consideradas como um grupo de risco.
Os sinais clínicos de uma picada de escorpião são a dor no local, que pode se irradiar a partes do membro atacado. “Se houver uma picada no dedo do pé, a dor pode se irradiar até a canela; se for na mão, a dor vai até o braço. A dor no local é semelhante a uma agulhada profunda. Quando a dor fica só no pé, é considerado um acidente leve, mas pode se tornar moderado e vir a se agravar. São toxinas de efeito neurotóxico e causam, portanto, sintomatologias nervosas.
Se for leve, haverá dor, pequeno inchaço e eritema (vemelhidão e sudorese). Se for de moderado a grave, haverá sudorese profusa e sensações de náusea, com salivação e vômito. Aí já se trata de envenenamento mais grave, com hiper ou hipotensão (pressão subindo ou descendo), edema pulmonar, que provoca dificuldade para respirar, acelera a respiração, a qual fica mais difícil. Esses e outros sinais determinam que o envenenamento está evoluindo. De qualquer forma, é preciso que o serviço de saúde mais próximo seja imediatamente acionado.
Já se estiver só com dor, normalmente é feito, no serviço de saúde, um bloqueio anestésico no local da picada; mas se evoluir para o chamado escorpionismo, tem que ser usado o soro antiescorpiônico, o qual é desenvolvido pelo Instituto Butantan, assim como outros soros destinados a combater o ataque por animais peçonhentos.
O que fazer
Deve-se manter a pessoa calma e em repouso, quanto mais a pessoa ficar agitada mais rápido o veneno irá circular na corrente sanguínea, aumentando os efeitos. Colocar a pessoa no carro, se possível deitada, e levá-la o mais rápido possível a um pronto socorro.
Retirar relógios, anéis, pulseiras e sapatos, que possam funcionar como um garrote e se tornar impossível de tirar após o acidente.
Lavar o local com água e sabão e não colocar nele nenhuma pomada ou alguma substância baseada em “crendice”.
Elevar o membro onde ocorreu o acidente; se for o braço, levante-o; se for o pé, eleve-se a perna.
Procurar imediatamente um ambiente hospitalar; enquanto o tempo passa, o veneno se espalha.
Prevenção
– O escorpião, por ser noturno, procura abrigo no quintal ou dentro de casa, em materiais de obra, entulhos, telhas empilhadas, restos de madeira e todo local que oferecer sombra e proteção é procurado.
– Ao colocar botas ou sapatos, verificar se não há escorpião ou aranha; faça-se o mesmo em relação às roupas que ficam sem uso por muito tempo, pois também podem servir de abrigo.
– Manter as fossas sépticas vedadas; se houver barata no ambiente, haverá escorpiões.
– Usar botas de cano alto em gramado e luvas de raspa de couro para retirar entulhos.
– Manter lixos em locais fechados e as camas longe das paredes.
– Colocar telas em ralos, pias, tanques, soleiras de porta e janelas. Em casas com gramado, ao roçar, os escorpiões podem fugir e escapar para casas onde existam vãos.
– Cuidado com controle químico, pois geralmente os inseticidas não matam o escorpião, mas podem provocar um estresse e aí eles passarão a andar pela casa, oferecendo mais perigo.
– Procurar empresas especializadas no assunto; evitar fazer controle químico por conta própria.
– Preservar os inimigos naturais dos escorpiões, os sapos são predadores de escorpiões e têm hábitos noturnos, as corujas também.
– Já as galinhas têm hábito diurno e, no final da tarde, vão dormir e é nesse horário que os escorpiões iniciarão suas atividades. Elas predam os escorpiões, mas só os que forem encontrados, pois se as galinhas não tiverem acesso a eles durante o dia ou se os tais estiverem debaixo de um tijolo, elas não irão predá-los, só se eles estiverem embaixo de folhas ou em gramados. “Nem sempre um animal predador vai ter contato com os escorpiões”, ensina o técnico, alegando não ter tido muito efeito a introdução de galinhas em alguns condomínios visando à redução no número de escorpiões.
Para ouvir o Boletim sobre os escorpiões acesse:
Fonte: Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo