Ex-diretor do departamento de biocombustíveis do MME traz pontos que podem ameaçar programa e, portanto, deveriam ser barrados
O ex-diretor do departamento de biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia (MME) Miguel Ivan Lacerda relata que vê cinco principais ameaças ao RenovaBio, chamando-as de “passos de destruição” do programa.
Ainda que não tenha falado como representante do MME, já que foi oficialmente exonerado do cargo no último dia 22, Lacerda apresentou seus argumentos como um dos participantes do painel sobre o RenovaBio durante o primeiro dia da 20ª Conferência Internacional Datagro, na manhã de ontem, 26.
O ex-diretor afirma que fez uma avaliação de risco de volatilidade do programa e enxerga que o RenovaBio “tem inimigos”. Ele relata, ainda, as dificuldades em formar uma equipe estruturada dentro do departamento de biocombustíveis, uma vez que ele está localizado em uma secretaria de petróleo.
“Eu acho que tem opositores ao bom funcionamento do RenovaBio, pois vejo que isso ocorre em todo processo de regulação”, declara. Lacerda acredita que a construção de ações contrárias podem prejudicar “a volatilidade do preço do CBio” e, caso chegue a um limite, poderiam fazer o programa e o mercado dos créditos “caminharem para o fim”.
Ele complementa: “Se não tiver uma equipe forte, estruturada a partir da direção, e que enfrente o conflito, ela não vai conseguir. O mesmo ocorre com a Embrapa Meio Ambiente, em que está o núcleo do RenovaBio, além do laboratório da Unicamp que, junto com o CTBE e a Agroícone, fazem a gestão da RenovaCalc”.
O primeiro ponto levantado pelo ex-diretor se refere ao desmonte da equipe que regula o programa. “No ministério, éramos em nove pessoas e hoje só tem três. Além disso, o orçamento é zero, mas quando eu assumi era de R$ 23 mil anuais”, afirma.
De acordo com ele, se as usinas que estão se certificando estão sentindo dificuldade no tempo de análise da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), isso ocorre porque a agência conta com uma equipe ainda muito pequena. “Com a saída dos diretores de gás e biocombustíveis, a regulamentação da ANP ficou sem o patrocínio no nível da direção e isso, além do desmonte das equipes estruturadas do MME, da Embrapa e da ANP, pode significar que o RenovaBio apresenta problemas”, relata o ex-diretor.
O segundo ponto de Lacerda é a questão tributária do RenovaBio. Mesmo com a revogação do veto presidencial à Medida Provisória do Agro (MP do Agro), que limita a precificação dos CBios, ele acredita que o programa ainda tem inconsistências nesta questão.
“O fato de o Santander não operar com pessoas físicas é porque tem um problema tributário nisso, ele não sabe se recolhe o imposto de renda antecipadamente ou não. O escriturador não quer correr o risco de, daqui a um ou dois anos, um auditor fiscal questionar onde está o recolhimento antecipado da compra e venda de CBio no mercado de pessoa física”, relata e completa: “Se não for corrigido o aspecto tributário ainda neste ano, ocorrerão sérios problemas com as pessoas que emitirem ou comercializarem os CBios”.
Outro impasse seria o fato de que, na lei aprovada, não fica clara a base de cálculo do imposto. Além disso, outros problemas envolvem a cobrança de PIS-Cofins e a possibilidade de modificação do IOF na compra do mercado secundário.
“Parece que o tributário está resolvido no RenovaBio, mas isto é emergencial. Antes de sair [da diretoria do ministério], eu deixei pronta a lei que corrige todos os problemas”, afirma.
O terceiro problema apontado por Lacerda seria a facilidade para que a lei não seja devidamente cumprida. “Falar que está tudo bem se uma empresa não cumpre as metas do RenovaBio ou aceitar que uma usina minta em sua certificação”, exemplifica e completa: “Tem que ter a rigidez da lei, que já prescreve os remédios que precisam ser tomados, porque a credibilidade do programa está nas duas pontas”.
Lacerda cita que não é possível deixar 15% das metas a serem cumpridas para o ano que vem, pois, mesmo que o artifício exista na lei, ele depende do obedecimento integral da meta no ano anterior. “Como a meta não foi cumprida no ano passado, isso tem que ser feito neste ano. Se a distribuidora não cumprir, ela está cometendo crime ambiental”, declara.
Além disso, ele considera importante o movimento da sociedade civil de não aceitar a comercialização de combustível que não obedeça às questões ambientais, criando dificuldades para aqueles que não cumprem a regra.
Outro problema, mas de longo prazo, de acordo com o ex-diretor, seria a fuga do centro da meta de descarbonização já definida. “Criamos a legislação com metas decenais estruturadas e que são suficientes para um preço razoável do CBio, com uma transição energética possível em dez anos. Se ficar oscilando fora do centro da meta, isso pode ser ruim”, expressa.
Assim, o ex-diretor acredita que, se a resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que confirmará a meta para 2022, tiver uma redução na meta ou uma mudança na oferta prevista de CBios, isso terá um impacto negativo sobre os preços.
O quinto e último ponto de Lacerda seria a “invenção” de mecanismos para além dos que já existem no programa. Um exemplo seria a criação de um preço teto para o CBio, proposta que chegou a ser feita por chamada pública. Para o ex-diretor, este é um problema que pode prejudicar a variação de preços dos créditos.
“O grande erro de quem não comprou CBios para cumprir a meta é que não acreditou no programa. Ele já estava disponível desde abril deste ano e as compras [dos créditos] só vieram agora. O Brasil precisa escolher a bioenergia como o grande plano de desenvolvimento econômico. O apoio ao biocombustível é o caminho ideal”, finaliza.
Por Gabrielle Rumor Koster
Fonte: novaCana.com