Por Roberto Rodrigues*
A prioridade de todos nós do campo e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) agora é abastecer, com a engrenagem que vai da roça ao consumidor. Esta longa cadeia de abastecimento, por sua vez, é impulsionada por um poder superior, a natureza. É ela que diz a hora de plantar, de cultivar e de colher, de transportar e distribuir, que determina o ciclo fundamental do trabalho rural, o ciclo da vida, ao qual os agentes da cadeia de abastecimento se adaptam. Por isso agricultura e abastecimento estão sempre juntos. E o Mapa vem trabalhando competentemente para desmanchar todo “nó” que estrangule qualquer elo das cadeias produtiva e de abastecimento.
Dada a grandeza da crise, nem sempre isso é possível. Há problemas quase incontornáveis, como o que aconteceu com os produtores de flores: não tem mais eventos, nem festas, nem celebrações importantes que são os grandes demandantes de flores. Até casamentos estão sendo adiados. Portanto, o mercado sumiu. Será necessário socorrer esse segmento com um crédito especial, barato e de longo prazo para evitar a quebradeira geral de seus heroicos produtores.
Frutas e verduras passam por problemas semelhantes. Quando estão maduros, os produtos precisam ir ao mercado imediatamente, caso contrário apodrecem. E os sistemas de distribuição não funcionam agora como em tempos normais. Medidas em sua defesa devem também acontecer.
Mas nenhum setor está causando mais dor de cabeça do que o canavieiro, por diversas razões. As plantações de cana ocupam mais de 9 milhões de hectares em centenas de municípios em todo o País, empregando milhares de pessoas ao longo da cadeia produtiva e movimentando uma economia gigantesca. O que aconteceu com esse importantíssimo setor?
Depois de alguns anos muito ruins, seja por erros de governo (como o governo Rousseff, que tentou evitar a inflação segurando artificialmente os preços dos combustíveis e assim quase quebrou a Petrobras e a agroenergia) ou por acidentes de mercado (com pesados subsídios em anos anteriores, os produtores indianos de cana aumentaram a produção e “encheram” o mercado açucareiro, derrubando os preços), havia uma expectativa favorável para 2020.
No começo do ano estava clara uma retomada da economia canavieira porque os estoques mundiais de açúcar tinham caído e os preços vinham reagindo, a demanda por etanol estava aquecida com a melhora do ambiente econômico interno e o clima chuvoso indicava alta produtividade agrícola. Os empresários se preparavam para fazer investimentos em tecnologia e em equipamentos e nas regiões canavieiras havia muito otimismo.
De repente, essa esperança derreteu no rastro do coronavírus e do estranho embate entre Arábia Saudita e Rússia que derrubou os preços do petróleo para menos de US$ 30 o barril. Ora, com a pandemia, ninguém sai de casa e o consumo de etanol caiu de 60% a 70%, dependendo da região, e o produto encalhou nas usinas. E como seu uso só é viável até custar 75% do preço da gasolina nas bombas, vai perdendo competitividade com a queda do valor do petróleo.
Foi uma impressionante mudança de cenário em muito curto espaço de tempo. Várias medidas paliativas vêm sendo estudadas pelo governo junto com o setor. Uma delas é colocar para funcionar a Cide, taxa que foi criada exatamente para enfrentar crises como essa. Incidindo sobre a gasolina, ela melhora a competitividade do etanol. Outra alternativa é não cobrar PIS-Cofins dos produtores. Estas duas medidas durariam enquanto durarem os efeitos do covid-19 e depois seriam revogadas.
Outra medida muito importante é o financiamento de estocagem de etanol. Se o consumo continuar muito baixo, certamente o produto terá que ser estocado, e talvez por muitos meses. Sem vender, como sobreviveria o produtor? O estoque financiado reduz este descasamento. Mas atenção: como esse crédito só é dado ao industrial, a condição necessária para concessão do recurso é que a usina pague em dia seu fornecedor de cana.
O CBio previsto no RenovaBio também ajudaria muito, mas ele só deve funcionar no ano que vem.
Linhas de crédito para realizar a safra ou mesmo para o plantio de cana são outra alternativa, desde que com prazo longo, visto que a cana-de-açúcar é uma cultura semipermanente, e depois de plantada fica no terreno por até 8 anos.
São medidas que demandam rápida solução, porque a safra não espera. Felizmente a ministra Tereza Cristina conhece muito bem o assunto e está trabalhando para encaminhar algumas das soluções apresentadas.
* Roberto Rodrigues é ex-ministro da agricultura e coordenador do centro de agronegócios da Fundação Getúlio Vargas