Cafeicultoras do sul de Minas se mobilizam para aumentar sua participação na gestão das lavouras e aproveitam subprodutos par fazer peças de artesanato
No interior de Minas Gerais um grupo de mulheres tem impulsionado a produção de café orgânico e o crescimento do número de agricultoras que gerenciam as próprias lavouras. No município de Poço Fundo, criaram o Café Orgânico Feminino com o objetivo de gerar renda e também romper com a tradição que mantinha o trabalho das agricultoras sem visibilidade e retorno financeiro.
A marca Café Orgânico Feminino é fruto do trabalho do grupo de Mulheres Organizadas Buscando a Independência (Mobi), que integra a Cooperativa de Agricultores Familiares de Poço Fundo e Região (Coopfam). A cooperativa tem 500 produtores cooperados, sendo que cerca de 150 produzem orgânicos, a maioria mulheres.
O empreendimento, coordenado por agricultoras familiares de Água Limpa, na zona rural de Poço Fundo, foi um dos 11 projetos brasileiros homenageados no concurso internacional Saberes e Sabores, no âmbito da campanha #Mulheres Rurais, Mulheres com Direitos, de 2018.
O concurso teve como objetivo destacar o papel das mulheres rurais e reconhecer os empreendimentos femininos que resgatam a importância da alimentação tradicional saudável e da proteção à biodiversidade.
Do início ao fim da cadeia produtiva, são elas que comandam o processo de gestão. Desde a semeadura, a colheita dos grãos até a comercialização do produto final, o toque feminino faz a diferença no cuidado e dedicação que o café orgânico exige em relação ao grão convencional.
O café feminino é produzido de forma sustentável e agroecológica, sem uso de produtos químicos. Descrito como um café com baixo teor de acidez, é vendido de forma torrada ou in natura com os selos federais da agricultura familiar e de produto orgânico.
Poço Fundo tem cerca de 16 mil habitantes e se destaca na produção de café no estado. Segundo dados preliminares do Censo Agropecuário de 2017 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o município tem mais de 1970 estabelecimentos agropecuários, sendo que 82% deles plantam café.
Apesar do protagonismo feminino na região, apenas 8,7% dos empreendimentos rurais de Poço Fundo estão no nome de mulheres. Em 2006, quando começou o trabalho do MOBI, cerca de 7,8% dos empreendimentos identificados pelo IBGE na cidade eram comandados por elas.
O percentual mais recente quase coincide com os estabelecimentos que fazem adubação orgânica na região: 9,63%. O índice sugere uma relação entre o trabalho das agricultoras familiares e o avanço da produção orgânica na região.
Além do café orgânico, as mulheres confeccionam artesanato com subprodutos do café, como a palha e a borra, e ainda cultivam rosas orgânicas. O grupo também promove atividades de conscientização sobre a preservação da biodiversidade, da conservação do solo, da água e de animais silvestres.
Autonomia
Cada cafeicultora é responsável por sua propriedade, pela lavoura, colheita e pós-colheita. Uma realidade bem diferente da que elas eram submetidas há algum tempo.
A cafeicultora e artesã, Dayany de Assis, relata que as mulheres do município sempre foram envolvidas na produção de café, algumas desde criança. Mas, todo o processo de negociação e de venda do produto final ficava por conta dos maridos.
“Antes, as mulheres ficavam mais na parte de mão de obra. Quando fui para o grupo, em 2014, já vi todo o envolvimento da mulher, como tomavam conta daquilo que era delas, com conta no banco, recebiam e tinham produção de café orgânico”, conta Dayany de Assis, que atualmente coordena o grupo.
Depois de fazer um curso de quatro meses com as mulheres do MOBI, Dayany se encantou e decidiu aderir ao movimento. Hoje, aos 30 anos e mãe de dois filhos, tem uma lavoura própria de café orgânico e se tornou uma das conselheiras fiscais da Cooperativa.
“A lavoura hoje é tão bonita, que eu larguei a convencional e fui me dedicar só ao orgânico. É uma agricultura familiar. Na mão de obra, o marido ajuda um pouco também, mas as decisões, a gestão da minha lavoura é tudo eu quem faço”, explica.
Solidariedade
Os frutos do associativismo feminino vão além da geração de renda e da autonomia financeira. Empatia e criatividade marcam o trabalho das mulheres no campo, que descobrem na aliança uma forma de superar desigualdades arraigadas pelo preconceito.
O grupo ainda atua para motivar e resgatar a autoestima das trabalhadoras, que volta e meia ouvem comentários nada amistosos de produtores pelo fato delas não se identificarem com o esterótipo de agricultores: como andar sempre de botina e com terra nas unhas. E também por se distinguirem ao levar uma vida social fora da lavoura e do ambiente doméstico.
Entre elas, a solidariedade faz a diferença para compreender os desafios comuns impostos pela tripla jornada com o serviço doméstico, o trabalho no campo e o ativismo da cidade.
“A mulher sai cedo, tem que deixar a casa arrumada, o almoço pronto, pôr os filhos pra ir pra escola. A gente vê a dificuldade das mulheres pra participar tanto da reunião quanto da assembleia, porque ela tem que estar com serviço de casa pronto, tem que ir embora da reunião pra fazer janta para o marido”, relata.
Para facilitar a vida das cooperadas que têm filhos pequenos, o grupo criou uma brinquedoteca no salão onde elas costumam se reunir. Outra medida para estimular o engajamento feminino é a carona solidária.
“Tem propriedades que estão a quatro quilômetros, mas tem propriedade que está a 18 quilômetros de onde a gente reúne. Quando eu entrei no grupo, só tinha uma mulher que dirigia, hoje, tem mais três que entraram na autoescola”.
Conquistas
O grupo já foi premiado em concursos de cafés especiais e tem circulado por propriedades de outras regiões do Brasil em busca de mais aprendizado e troca de experiências.
Em 2014, o café feminino foi escolhido para ser servido durante a Copa do Mundo sediada no Brasil. A participação rendeu visibilidade às cafeicultoras, que receberam a visita e doação de produtores estrangeiros. E no ano passado, o grupo ganhou menção honrosa no concurso #Mulheres Rurais, Mulheres com Direitos, entre outras conquistas.
“O café na Copa foi um sucesso, a menção honrosa também. A gente ficou muito feliz e todo mundo está mais motivado, porque vê que o trabalho está sendo reconhecido”, comemora Dayany.
As sementes também estão sendo deixadas para as crianças e jovens. Aos sete anos, a filha de Dayany já demonstra consciência ambiental e preocupação com os recursos naturais. A cafeicultora também comemora o impacto positivo na qualidade do solo e o engajamento do marido que está convertendo a lavoura convencional para orgânica.
“A saúde da família melhorou, a saúde do solo também melhorou demais. Se você ver a vida que tem o solo orgânico, é totalmente diferente do café convencional. A natureza responde muito melhor a tudo o que você coloca na planta”.
A coordenadora do grupo lista outras vantagens da produção orgânica, como a promoção de vínculo entre diferentes produtores, além do maior ganho financeiro.
“ Os produtores convencionais aqui do município e região não têm o hábito de trocar experiências e no orgânico isso é muito intenso. Então, a gente viaja bastante para conhecer outras pessoas e propriedades. E, financeiramente, apesar de o café orgânico dar mais mão de obra para produzir, porque ele não tem uma formula pronta para tudo como o convencional, ele é um café que vende melhor”.
Em 2018, o grupo de mulheres produziu 600 sacas de café. Uma parte da produção segue para torrefação pela cooperativa, que vende o produto e destina 10% do valor adquirido para o movimento feminino. O valor é usado pelas cafeicultoras em projetos sociais, compra de insumos, entre outros.
A meta agora é atrair outras mulheres da cooperativa que ainda não produzem orgânicos para ampliar a produção livre de defensivos químicos, além de reforçar o movimento feminino pela sustentabilidade. O grupo sonha em ver outras mulheres reconhecendo e valorizando a identidade como artesãs e produtoras rurais.
Campanha 2019
A quarta edição da campanha #Mulheres Rurais, Mulheres com Direitos tem como tema “Pensar em igualdade, construir com inteligência, inovar para mudar”. O eixo condutor da iniciativa é a importância de visibilizar os direitos das mulheres rurais em todos os níveis, desde as garantias individuais até coletivas, além das metas estabelecidas no âmbito dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
A campanha é organizada pela FAO em parceria com a ONU Mulheres, a Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativismo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a Comissão sobre Agricultura Familiar do Mercosul e a Direção-Geral do Desenvolvimento Rural do Ministério da Pecuária, Agricultura e Pesca do Uruguai.
Fonte: Mapa